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Mitos pedagógicos no ensino de Geografia

Conhecer alguns mitos existentes no contexto do ensino de Geografia pode ser útil para ajudar o docente dessa disciplina a aprimorar suas técnicas didáticas.
O ensino de Geografia é algo sistêmico e, ao mesmo tempo, dinâmico e crítico
O ensino de Geografia é algo sistêmico e, ao mesmo tempo, dinâmico e crítico
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O ensino de Geografia é extremamente importante no processo formativo de um indivíduo, pois a partir dele compreendemos melhor as formas com que o ser humano constrói o seu espaço e transforma a natureza. Além disso, é a partir das aulas de Geografia nos ensinos fundamental e médio que as pessoas angariam suas primeiras noções sobre economia, política, relevo, cidades, meio ambiente, entre outras importantes questões sociais.

No entanto, é preciso clarificar a importância e o papel que o ensino de Geografia possui no sentido de desfazer determinados mitos. Esse esclarecimento contribui não para se conceber uma “verdadeira Geografia”, mas para evitar eventuais desvios no padrão de ensino ou distorções sobre a concepção da realidade em sala de aula. Além disso, é importante lembrar que boa parte dos alunos não se identifica com essa disciplina simplesmente por não compreender verdadeiramente do que ela trata, dos seus objetivos e de sua validade cotidiana.

Entre as principais inverdades sobre o ensino da Geografia, elencamos algumas frases a seguir:

- “A Geografia é uma disciplina decorativa, cuja função é apresentar o nome dos países com informações como capitais, moedas e idiomas”.

Conhecer os países, bem como as principais cidades do mundo, é, sem dúvida, relevante. Saber que o dólar é uma moeda importante, assim como o euro, também. O mesmo acontece com informações sobre os diversos lugares do mundo, a localização dos blocos econômicos e dos continentes. No entanto, é um equívoco considerar que essas informações devam ser abordadas de forma decorativa, sem reflexão e sem uma sistematização teórico-metodológica.

O correto é que, à medida que os estudos sobre os diferentes temas da Geografia forem sendo ministrados, essas informações passem a ser obtidas de forma contextualizada, ou seja, melhor do que ensinar as capitais do mundo, é aprender o nome delas durante aulas sobre urbanização, formação de centros industriais, entre outras questões. Dessa forma, obtém-se um maior dinamismo com as aulas e perde-se menos tempo com conteúdos aleatórios que fatalmente serão esquecidos pelos estudantes em pouco tempo.

- “O aluno precisa desenhar mapas para aprender Geografia”

Muitas pessoas, em suas aulas de Geografia, tiveram como atividade o desenho de mapas de contorno sobre regiões, países e, em alguns casos, até do mundo inteiro. No entanto, essa prática não é necessariamente obrigatória para que os alunos acumulem melhor os conhecimentos cartográficos. Em muitos casos, aulas sobre a leitura dos mapas ou a aplicação deles são muito mais relevantes do que a realização mecânica de desenhos aleatórios.

Além disso, nesse tipo de atividade, o estudante acaba realizando funções puramente mecanizadas, com uma preocupação maior em conferir uma reprodução fiel do desenho original do que exercer uma real reflexão sobre a dinâmica socioespacial que permeia aquele espaço geográfico em questão.

- “A Geografia não possui uma aplicabilidade prática”

A Geografia, por ser uma ciência de viés horizontal – ou seja, que não se debruça sobre um único tipo de tema, mas sobre várias áreas com uma abordagem em comum sobre todas elas – possui um caráter eminentemente prático. Portanto, é errôneo considerar que os conteúdos ministrados não possuam uma relação com o real, sendo que, na verdade, eles sempre estão relacionados com algum evento que se reproduz no espaço geográfico. Dessa forma, iniciar as aulas apontando a utilidade dos conhecimentos geográficos pode se tornar uma importante arma para atrair a atenção dos estudantes.

- “A Geografia é a descrição da terra e dos lugares”

Durante muito tempo, a Geografia caracterizou-se como a ciência do estudo da diferenciação de áreas ou sobre as distribuições e características dos diferentes lugares. No entanto, atualmente, ela possui uma acepção um pouco mais ampla e complexa, deixando de ser descritiva para se tornar reflexiva e estimular o pensamento crítico, social e cotidiano. Desse modo, apesar de a apresentação e enumeração de diferentes características físicas e humanas dos territórios serem importantes, tal concepção não é primordial, de forma que limitar as aulas a esse tipo de premissa é um grande erro.

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- “A Geografia precisa ser dividida em física e humana”

Ao contrário do que muitos geógrafos e não geógrafos pensam, a Geografia não se divide em física e humana, ou, pelo menos, não deveria. Ao apresentar os diferentes fenômenos, o recomendável é que eles apareçam em complementação mútua. Por mais que, para fins didáticos, temas de Geografia Física estejam separados no currículo escolar dos temas de Geografia Humana, é necessário sempre lembrar da inter-relação que os elementos da natureza e da sociedade possuem entre si.

- “A Geografia atualmente é somente social e crítica"

A ciência geográfica, em seu viés crítico, não é o único paradigma do pensamento epistemológico dessa ciência. A partir dos anos 1970, a corrente crítica marxista realmente adquiriu um maior peso, porém ela não é a única ou a mais importante dentre as demais abordagens, valendo também as interpretações de viés cultural e simbólico, além de outras concepções. Dessa forma, o professor precisa buscar um equilíbrio em suas aulas entre o ensino quantitativo, o crítico e o cultural, evitando manifestar sua preferência entre essas três principais correntes de pensamento.

- “A Geografia aborda vários temas, mas não se aprofunda em nenhum”

Essa crítica é comum entre alunos e professores de outras áreas do conhecimento. No entanto, ao contrário das frequentes acusações, a Geografia não possui um caráter superficial, e isso também vale para o ambiente educacional. Como já frisamos, a Geografia é uma disciplina horizontal, de forma que a sua característica é a abordagem socioespacial, e não os temas a que ela se dedica. Por exemplo: nas aulas de Geografia sobre Cerrado, aponta-se para a distribuição e localização desse domínio, além dos principais contextos e inter-relações que esse tipo de paisagem possui com as atividades humanas em um período histórico. Só nesse tema há uma proximidade com a biologia e a história, porém essas disciplinas abordam o tema de uma forma distinta.

- “A Geografia é uma ciência atual, que não faz uso de temas do passado”

Um dos principais erros cometidos por professores nas aulas de Geografia é a não aplicação correta dos temas históricos. Como sabemos, o espaço geográfico é fruto das ações, das técnicas, da composição dos objetos e dos elementos físicos e sociais. Portanto, ele é fruto, também, de relações históricas. Assim, se desconsideramos o passado – ou se nos prendermos demais a ele –, corre-se o risco de não abordar em sala de aula os conteúdos de uma forma mais clara e compreensível, pois a realidade deixa de ser explicada em sua totalidade. O resgate e a contextualização de determinados fenômenos geográficos tornam-se imprescindíveis para o melhor dinamismo das aulas.

Como vimos, a Geografia – e, obviamente, o ensino geográfico – é recoberta de mitos, de forma que o esclarecimento do que não é característico da Geografia, em alguns casos, torna-se mais simples do que tentar buscar uma definição objetiva e completa dessa ciência. De toda forma, as aulas dessa disciplina precisam sempre estar acompanhadas de um processo de autocrítica, em que o professor precisa sempre se questionar sobre a validade de suas aulas e dos seus métodos adotados.


Por Rodolfo Alves Pena
Graduado em Geografia