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Educação e capitalismo: e a fala continua

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O papel da educação na ideologia capitalista atual, expressado pelo conceito de empregabilidade, é produzir um “cidadão mínimo” carente de capacidades cívicas. O capitalismo é destrutivo e precisa ser substituído por um sistema mais humano”. Gentili, Pablo

Foi uma surpresa agradável ser alertada por uma aluna que o meu nome era citado em um artigo do Sr. Gustavo Ioschpe, na revista Veja. Nesse artigo eu era contestada junto com mais dois educadores. Para mim, foi bom, porque em primeiro lugar “não sou dona de verdades”, em segundo lugar os artigos que escrevo têm mesmo essa finalidade: o da contestação, de questionamento e de reflexão. As minhas verdades e opiniões estão aí para serem analisadas e, se porventura, forem aceitas, serão seguidas, caso contrário, serão descartadas.

Em entrevista concedida ao Sr. Fernando F. Kadaoka, da revista Isto É, em 05/10/2005, Gustavo Ioschpe, economista, afirma que o governo gasta mal o dinheiro do ensino e defende a cobrança de mensalidade nas universidades públicas. Provido de números e estatísticas, Gustavo Ioschpe assegura que a educação brasileira é muito ruim e alerta que “estamos perdendo o bonde da história”. E diz que “a educação no Brasil aumenta a desigualdade". Acredita que o desenvolvimento de uma educação deve ser voltado para objetivos mensuráveis e técnicos de qualidade. Afirma também, que são perdas de tempo as discussões pedagógicas. “É Paulo Freire para cá, Piaget e Vigotski para lá, construtivismo, neoconstrutivismo, construtivismo social”. Além disso, afirma que temos um ensino que atende uma pequena elite e confere a essa elite os mecanismos para que ela eternize a sua dominação e a desigualdade de renda. O sistema educacional brasileiro coloca os pobres para “escanteio”.

Ioschpe é autor de “Os quatro mitos da escola brasileira”, onde afirma que os males da escola brasileira se originam do despreparo dos docentes para o exercício da profissão. Como ninguém é o dono de verdades, em contrapartida, escrevi “Em defesa do professor da escola pública”, disponível no site brasilescola.uol.com.br. Acredito que como os professores não são considerados prioridade, há, portanto o sucateamento da profissão do docente. Culpando os professores pelas falhas na educação brasileira pode-se suavizar a consciência de alguns, mas não ajudará em nada melhorar a qualidade na educação.
A apreciação de Gustavo Ioschpe sobre os temas tende ao malogro como um todo porque ele não conhece a realidade das escolas públicas e se desvia da própria identidade do país de extremos e de contextos diferentes, abordando os assuntos da educação com objetividade matemática. A matemática é essencial, pois faz parte do nosso cotidiano, no entanto, em educação, fala mais alto a didática, a experiência e a competência.

De acordo com Ioschpe, em seu artigo Educação e capitalismo: aliados ou inimigos, publicado na Revista Veja, em 14 de maio de 2008, virou consenso no Brasil associar o nosso fracasso educacional às maquinações do sistema capitalista/neoliberal. Segundo essa leitura, calcada em Marx, interessaria aos "poderosos", à "elite", que o proletariado não fosse instruído ou, no máximo, recebesse uma educação totalmente "alienante", para que não questionasse suas mazelas nem incomodasse o status quo e apenas continuasse fornecendo sua mão-de-obra barata para a manutenção do sistema. Nesse artigo, ele diz que dos mais “louvados pensadores” do tema à correspondência enviada ao articulista por professores dos grotões do Brasil, cita os nomes, acredito que dos “louvados pensadores”, uma vez que correspondência por mim não foi enviada, de Emir Sader, Lucyelle Pasqualotto e Amélia Hamze, afirmando que esse tipo de análise reverbera no professorado porque o seu corolário é simples, o insucesso educacional é resultado de uma sociedade corrompida pelo capitalismo. Diz que “essa prisão mental em que nos encontramos acaba por prender em amarras o próprio país”.

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Sendo citada no referido artigo, tendo como base toda a minha experiência e vivência educacional, acredito que a educação de um país é tarefa importante demais para ficar a cargo apenas de educadores, mais ainda quando o assunto que tratamos é de sistema educacional, onde precisamos falar da situação real, não da ideal. Por isso, não me preocupo com a inquietação do autor com os números e as estatísticas, pois ele sabe das barreiras corporativistas que existem para o enfrentamento com sucesso do dilema educacional brasileiro. Causou-me estranheza a incoerência entre as falas da entrevista de 05/10/2005 e a do artigo da revista Veja de 14 de maio de 2008, pois não se alinham. Vejam bem: na entrevista cita que temos um ensino que atende uma pequena elite e confere a essa elite os mecanismos para que ela eternize a sua dominação e a desigualdade de renda. O sistema educacional brasileiro coloca os pobres para “escanteio”, como disse. Já no artigo de 14 de maio de 2008 diz que virou consenso no Brasil associar o nosso fracasso educacional com as maquinações do sistema capitalista/neoliberal. Como dissemos segundo essa leitura, calcada em Marx, interessaria aos "poderosos", à "elite", que o proletariado não fosse instruído ou, no máximo, recebesse uma educação totalmente "alienante", para que não questionasse suas mazelas nem incomodasse o status quo e apenas continuasse fornecendo sua mão-de-obra barata para a manutenção do sistema.

Por conta de suas exposições contraditórias, sugiro uma parceria entre os educadores e a sua pessoa, não para irmos “à caça às bruxas” como tem reiteradamente feito, mas para buscarmos de maneira solidária e comprometida, soluções adequadas para uma educação de qualidade em nosso país. No entanto, trata-se de um desafio do qual depende a probabilidade de se construir uma nova supremacia que dê sustentação material e cultural a uma sociedade mais democrática e igualitária. Isso sendo feito, o bom senso agradece.

Por Amélia Hamze
Diretora de escola aposentada
Professora universitária (área de educação)
Colunista Brasil Escola