Adolescentes... eis uma fase de descobertas, de questionamentos, de oscilações temperamentais, de escolhas, acima de tudo, enfim, todas essas passagens acabam refletindo, também, na convivência dentro do ambiente escolar. Com isso, o educador, além de desenvolver suas reais funções, necessita estar apto a entender, muitas vezes resolver (ainda que não raro) distintas situações conflituosas, oriundas, obviamente, dessa fase cotidiana. Limites? Mesmo que para alguns, tal aspecto não tenha assim tanta representatividade, faz-se necessário estabelecê-lo, sem dúvida. Contudo, a necessidade de se adequar à realidade a que pertence esse público representa fator preponderante, buscando alternativas metodológicas que realmente despertem a atenção e o interesse pela busca do conhecimento.
Assim, dinamismo, inovação, motivação, representam ingredientes que com toda certeza representarão aquela pitada a mais que faltava frente à concretização dos reais objetivos a que cotidianamente se propõe o educador. Nesse sentido, promover um espaço que conceda aos adolescentes a oportunidade de se manifestarem, de exporem suas opiniões acerca de assuntos pertinentes ao convívio deles representa, sem nenhuma dúvida, propostas didáticas cuja eficácia se torna indiscutível.
Debates, além de aprimorarem o repertório, propiciar maiores chances de os alunos se manifestarem, perderem o instinto inibido, que muitas vezes tolhe a capacidade argumentativa e os deixam presos ao próprio medo, à própria insegurança e à própria incapacidade de se mostrarem como alguém dotado de opiniões e pensamentos próprios.
Mas é preciso ser hábil na escolha dos assuntos a serem tratados mediante a realização do debate, uma vez que se trata de um público heterogêneo, no qual se fazem evidentes distintas marcas pessoais, entre elas a falta de conhecimento acerca deste ou daquele assunto. Nesse sentido, torna-se importante e necessário o estímulo, de modo a incentivar os educandos a desenvolver a prática da leitura, a assiduidade no que se refere à importância de se manterem informados, enfim.
Seguindo essa linha de pensamento, o trabalho com a crônica, por ser um texto que conduz a uma reflexão, abre um leque de oportunidades para trabalhar valores humanos - sentimentos tão esquecidos no mundo conturbado em que vivemos. Como sugestão, apresentamos o texto de Moacyr Scliar, intitulado “Os Comícios dos adolescentes”, um texto bem atual à época em que vivemos. Ei-lo, portanto:
Os Comícios dos adolescentes
Moacyr Scliar
No Hyde Park, em Londres, existe um lugar chamado Speaker's Corner, onde, segundo a tradição, qualquer pessoa pode fazer discursos, criticando até a família real (o que atualmente não é muito difícil) desde que falando do alto de um estrado ou mesmo de um caixote; isto é, sem pisar solo inglês. Atualmente os oradores que lá vão são muito chatos, e frequentemente falam apenas para impressionar os turistas, mas há uma fase na vida em que o mundo como um todo é para nós um Speaker's Corner, e a nossa família é mais atacável que a família real inglesa; a adolescência é uma fase de comícios.
Adolescentes são oradores prodigiosos. Energia é o que não lhes falta; a imensa quantidade de alimentos que ingerem precisa ser queimada de alguma maneira, e esportes, games ou fantasias não são suficientes. Daí os discursos, que se sucedem num ritmo implacável: não há almoço nem jantar em que os pais não ouçam peças de inflamada oratória.
Os adolescentes, principalmente os de classe média, consideram-se oprimidos; não fazem parte de nenhuma Frente de Libertação, mesmo porque a vida de guerrilheiro não tem moleza, não dá para acordar ao meio-dia; mas desenvolvem uma invencível tática de guerrilha verbal, baseada em acusações clássicas: os pais são quadrados, os pais não compreendem as necessidades dos filhos, os pais são insensíveis, os pais não compram isto, os pais não compram aquilo (“me compra” é a reivindicação mais ouvida). É um estado de comício permanente, como parlamento algum jamais viu. Aliás, diferente dos nossos deputados, os adolescentes jamais se ausentam do plenário; mas, como os deputados, sempre acham que estão ganhando pouco.
De uma coisa, porém, podemos estar certos: não existirá um Partido dos Adolescentes enquanto não se formar um Partido dos Pais. E Partido dos Pais jamais se formará. Como a Tereza Batista, de Jorge Amado, que estava cansada de guerra, pais -por definição -são pessoas cansadas de comícios.
“Um país chamado infância”. Para gostar de ler, crônicas. 3. ed. São Paulo: Ática, 1997 p. 51-52. V. 18.
Após uma leitura atenciosa, coletiva, por que não? A sala poderá ser dividida em dois grupos e o debate poderá ter início. Assim, com as intervenções do educador, quando necessárias, distintos aspectos poderão ser abordados. Provavelmente, muitos se farão conhecidos, e é justamente aproveitando essa “deixa” que o educador obterá fontes, pistas preciosíssimas para nortear o trabalho dentro de sala de aula, uma vez que as individualidades se farão vistas e conhecidas – algo que muitas vezes se torna imperceptível no convívio de uma forma geral. Elencados todos os posicionamentos, eis que urge o momento propício para explanação do educador acerca do assunto retratado no gênero em questão.
Concluído o debate, mais uma proposta metodológica aparece para somar aos objetivos prestados mediante o trabalho com o gênero em questão, desta vez retratada por alguns questionamentos que, além de aludirem ao texto, ainda exploram aquele outro lado anteriormente mencionado: o trabalho com valores humanos, valores esses esquecidos e que, urgentemente, precisam ser resgatados. Seguem, pois, alguns questionamentos:
a – Ao estilo bem moderno de se fazer uma crônica, o autor expõe o próprio ponto de vista sobre um determinado assunto, quase sempre polêmico, ou seja, relacionado a uma temática política, social ou cultural. Com base nisso, qual o assunto tratado na crônica? Você o considera como atual? Por quê?
b – Em uma das passagens, o autor, ironicamente, afirma que adolescentes são oradores prodigiosos, ou seja, dotados de uma excepcional inteligência para a idade em que se encontram. Dessa forma, por que você acha que isso ocorre?
c – Você, enquanto adolescente e enquanto filho (a), como analisa essa situação a que o autor se refere em relação ao discurso dessa turma (de adolescentes): os pais são quadrados, os pais não compreendem as necessidades dos filhos, os pais são insensíveis, os pais não compram isto, os pais não compram aquilo? Considera essa atitude correta?
d – Você concorda com a opinião de Moacyr Scliar quando ele fala que, diferentemente dos deputados, os adolescentes jamais se ausentam do plenário, mas que se assemelham a eles quanto ao modo de achar que sempre estão ganhando pouco? Se sim ou se não, justifique sua resposta.
Por Vânia Duarte
Graduada em Letras
Fonte: Brasil Escola - https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/cronica-como-proposta-metodologica-discutindo-sobre-temas-polemicos.htm