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Seria inviável discutirmos acerca das contribuições que a Linguística proporcionou ao longo dos anos em que se faz presente enquanto ciência, sem enfatizarmos acerca da efemeridade da gramática tradicional, vista como elemento prioritário, em termos didáticos.
Tal fato decorre de uma prática cristalizada ao longo dos séculos – mais precisamente desde a Antiguidade Clássica, em que o grego era o idioma dominante, visto como objeto de inteira preservação –, razão pela qual a atitude da maioria dos educadores frente a esta realidade é, senão, sentirem-se despreparados e até mesmo intimidados em promover algum tipo de mudança que pudesse contrariar algo já tão consagrado.
Contudo, o que atualmente se percebe é que há renomados autores, longe de intenções retóricas de representarem um modelo teórico pronto e acabado que pudesse substituir o convencional, que se propuseram a questionar os conceitos preconizados à gramática normativa, sobretudo a forma pela qual esta vem sendo ensinada nos ambientes escolares. Tal intento subsiste na formulação de princípios que incidam numa reanálise, obtida com base numa dimensão semântica e/ou discursiva da língua. Desta forma, tendo em vista o aspecto funcional da língua, a proposta é trabalhar os conteúdos – uma vez explorados de forma isolada– de forma contextualizada, analisados sob o âmbito do próprio discurso.
Tais pressupostos parecem ter ganhado alguma adesão, como é o caso dos livros didáticos, que atualmente já são editados com base nesta perspectiva. Porém as evidências não demonstram grande avanço, pois mesmo em se tratando de textos, os adjetivos, os advérbios, os substantivos, entre outros elementos, ainda continuam sobressaindo por meio de frase isoladas – retiradas do texto-base.
Em meio a esse ínterim, não podemos deixar de mencionar a existência da gramática descritiva, cuja proposta não se baseia na noção de certo ou errado, mas sim na análise das diferenças ou uniformidades existentes entre os diversos registros de uma língua. Com base nesse pressuposto, propõe-se uma metodologia voltada para evidenciar os pontos que demarcam a língua falada da língua escrita, sem que esta possa se sobrepor àquela. O ideal é que o educador se paute por evidenciar que em determinadas situações de interlocução há um sistema que as rege, ora tido como convencional. Mas que a linguagem oral é constituída pelas suas próprias marcas.
Para tanto, sugere-se como recurso didático o trabalho com dois enunciados linguísticos, nos quais o discurso se evidencia da seguinte forma:
Tendo em vista que a letra “h”, no que tange a aspectos fonéticos, é destituída de som, há que se constatar que o trocadilho atribuído aos vocábulos demonstra alguma relevância. Logo, constata-se que independentemente de tais fatores a interlocução foi concretizada de forma plausível.
Com base no segundo exemplo, a conclusão a que podemos chegar é que o termo “afrodisíaco” estaria adequado à mensagem que ora nos é transmitida. Entretanto, em termos sonoros, tal colocação se revela como pertinente, sem deixar de mencionarmos acerca de um detalhe singular, cuja ocorrência poderá permitir que o educador se “embrenhe” nos túneis da história. Assim, a título de esclarecimento, façamos a seguinte análise:
A fror de zíaco – Neste caso, o enunciador decidiu optar por flor, visto que mediante a linguagem cotidiana, tal expressão poderia “soar” mal. Entretanto, torna-se passível de mencionar que esta forma já fez parte do português arcaico, amplamente explorada nas cantigas trovadorescas, cuja ocorrência configurava o que chamamos de rotacismo (pronúncia que consiste na troca do l pelo r).
Frente a tais elucidações, reforçamos nossos propósitos a partir das palavras expressas por André Martinet, em Elementos de linguística geral, e esperamos ter revelado nossa parcela de contribuição a respeito do assunto abordado. Estas, uma vez assim expressas:
“A linguística é o estudo científico da linguagem humana. Diz-se que um estudo é científico quando se baseia na observação dos fatos e se abstém de propor qualquer escolha entre tais fatos, em nome de certos princípios estéticos ou morais. Científico opõe-se a prescritivo. No caso da linguística, importa essencialmente insistir no caráter científico e não prescritivo do estudo: como o objeto desta ciência constitui uma atividade humana, é grande a tentação de abandonar o domínio da observação imparcial para recomendar determinado comportamento, de deixar de notar o que realmente se diz para passar a recomendar o que deve dizer –se.”
Por Vânia Duarte
Graduada em Letras
Equipe Brasil Escola