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Animais úteis e nocivos?

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Lagartixa de parede (Hemidactylus mabouia): útil ou nociva?

Com certeza você, em algum momento da vida, foi instruído a separar os animais em categorias, como úteis e nocivos, sendo estes os que podem provocar doenças, matar ou mesmo destruir plantações; e aqueles, os capazes de nos fornecer alimento, couro, lã, etc. Provavelmente também, seguindo tal linha de raciocínio, foi reforçada aquela clara distinção entre os animais simpáticos, como cães, gatos e pandas; e os asquerosos, nojentos, como anfíbios, serpentes, lagartixas e morcegos.

O mais surpreendente é que tais distinções não foram somente feitas no passado: basta ligar sua TV, ou mesmo pesquisar na internet, para confirmar o que estou dizendo.

Tais ideias partem de uma visão de nossa espécie sobre as outras, contextualizando tais organismos de acordo com a nossa perspectiva e relação que temos com elas, não raras as vezes interpretadas de forma errônea – como a suposta ideia de que todas as serpentes são peçonhentas e, necessariamente, irão nos atacar, caso estejamos relativamente próximos delas. Outro exemplo aplicado a esta ideia é a própria mania que temos de atribuir sentimentos e comportamentos humanos aos animais, como “o pássaro macho estava com ciúmes da fêmea, que lhe deu um beijo”.

O que dizer dos insetos, então? Desde cedo aprendemos que eles são ruins, nocivos ou, no mínimo, inúteis (o antônimo de útil, oras!). Tanto é que em muitas fontes, de procedência duvidosa, ratos, escorpiões, lacraias, dentre outros animais, são chamados erroneamente de insetos, acompanhados por alguns dos adjetivos já citados.

Perceber e, pior ainda, ensinar sobre os animais e a natureza, dessa maneira, é bastante errada, já que reforça, desde cedo, a supervalorização de alguns organismos vivos em detrimento de outros. Além disso, esses fatos dão “carta branca” para que muitas atrocidades sejam cometidas, como os maus-tratos e matança injustificada de animais, uso indiscriminado de pesticidas e destruição de florestas nativas; já que estamos partindo de uma visão que privilegia unicamente o que, à primeira vista, é útil ou nos agrada. Quer uma noção mais concreta? Conheça os textos da seção Animais Extintos, do Brasil Escola, e verá muitos exemplos de como a ação humana interfere substancialmente no desaparecimento das espécies.

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Todas as formas de vida, sem exceção, possuem o seu propósito e a sua função ecológica, intrinsecamente relacionados ao contexto em que vivem. Pensando de forma utilitarista, na menor das hipóteses, todos os seres vivos possuem importância nas cadeias alimentares que participam e no ambiente em que habitam. Logo, a redução de uma população, em detrimento do aumento de outra, gera um rompimento nessa dinâmica. O desmatamento de uma área específica, por exemplo, pode permitir com que indivíduos migrem para outros locais em busca de abrigo e alimento; e, de repente, lá estão as espécies “nocivas”, “invadindo” áreas humanas, provocando destruições, doenças e potenciais riscos de saúde...

Como educadores, e não só de Ciências e Biologia, devemos ter a responsabilidade de não criar, ou reforçar, esses preconceitos, rompendo esse ciclo, preferencialmente com informações realmente relevantes e justas. Se nos lembrarmos de que vivemos no país que detém a maior biodiversidade do planeta, não é estranho pensarmos, sob essa ótica utilitarista e antropocêntrica, que poucos são os animais úteis dentro dessa gama de representantes?

A natureza não possui essa hostilidade que o senso comum costuma pregar. Obviamente, devemos ter cuidado com os animais e, sobretudo, respeitá-los. Na grande maioria dos casos, um animal só ataca a nossa espécie quando é importunado, acidentalmente ou não, uma vez que não fazemos parte da dieta alimentar de nenhum deles. Assim, respeitando-os e estando atentos para não pisar, sentar ou machucá-los acidentalmente, já resolveríamos grande parte do problema.

Para Kant, os atos cometidos contra os animais vêm da mesma motivação que nos leva a maltratar nossos semelhantes. Talvez ele já soubesse que, de todos os seres vivos, o Homo sapiens é o único que mata indivíduos da sua e de outras espécies, sem nenhum propósito relevante.
 

Por Mariana Araguaia
Bióloga, especialista em Educação Ambiental
Equipe Brasil Escola