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Ao estudarmos a passagem do regime monárquico para o republicano, percebemos que o fim do governo de Dom Pedro II não instalou mudanças profundas na sociedade daquela época. Para se consolidar no poder, vemos que os agentes políticos da República optaram por estabelecer algumas práticas que poderiam nos mostrar certo processo de enrijecimento em relação ao antigo governo monárquico.
Muitas vezes, o professor tem certa dificuldade para indicar à classe que esse tipo de transformação política, apesar dos pressupostos ideológicos que a inspiram, não rompeu radicalmente com as práticas anteriores. Simplesmente listar os problemas que a República instalou não supera os entraves impostos por uma aula de caráter estritamente conteudísta. Por isso, sugerindo uma atividade interdisciplinar, podemos mostrar essa pouca mudança entre os regimes ao trabalhar com uma poesia de Murilo Mendes.
Na qualidade de poeta modernista, Murilo Mendes teve a preocupação de debater a cultura nacional através de textos em que tematizava a própria história da nação. Com relação à Proclamação da República, esse afamado escritor brasileiro teve a primorosa ideia de lavrar um hilário e provocativo poema intitulado “Quinze de Novembro”. Em seus versos, Murilo diz:
“Deodoro todo nos trinques
Bate na porta de Dão Pedro Segundo.
“- Seu imperadô, dê o fora
que nós queremos tomar conta desta bugiganga.
Mande vir os músicos.”
O imperador bocejando responde
“Pois não meus filhos não se vexem
me deixem calçar as chinelas
podem entrar à vontade:
só peço que não me bulam nas obras completas de Victor Hugo.”
Por meio desse pequeno texto, o professor pode discutir a visão histórica do poeta por meio dos vários recursos estilísticos empregados na obra. Primeiramente, a fala informal usada pelos dois interlocutores abre margem para visualização de uma conversa entre iguais. Não sendo uma mudança de grande impacto, o “pedido de instalação da República” é feito displicentemente. Paralelamente, vemos que o próprio Dom Pedro II do poeta não se manifesta contra sua retirada do poder.
Com isso, vemos que Murilo Mendes valoriza a concepção de uma intimidade que justamente apaga a ideia de contraste entre o “velho rei” e o “novo presidente”. Além disso, recuperando obras mais recentes que debate o papel político de nosso último imperador, o professor pode mostrar aos alunos que o próprio Dom Pedro II cogitava em alguns de seus escritos pessoais a possibilidade de se instalar a república no Brasil.
Além disso, ainda é possível discutir em sala porque Deodoro inventado por Murilo Mendes chama jocosamente o Estado Brasileiro de “bugiganga”. Nesse ponto, os alunos podem participar ativamente da discussão ao dar alguma sugestão interpretativa para esse verso. Ao salientar a opinião destes, o professor pode discutir por quais razões o poeta sugere que nossas instituições políticas eram tratadas como um objeto vulgar que, no caso, pudesse passar de mão em mão.
Dessa forma, recuperando informações que ambientam a obra de Murilo Mendes ao movimento modernista, o professor de História pode oferecer uma aula em que os conteúdos de Literatura também possam ser trabalhados. Ao dar uma entonação multidisciplinar ao conteúdo, acaba indicando como o passado pode ser compreendido em elementos que fogem dos limites impostos pelo livro didático.
Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola