“Parem o mundo que eu quero descer. Só um pouquinho. Não vai atrapalhar ninguém. Deixa eu descer do mundo, que tá duro demais. Ou pelo menos descer do Brasil, que, se o mundo está duro assim, este país então está insuportável... Senhores comandantes desta coisa pobre, louca, doente e suja que nem sei mais se posso chamar ‘Brasil’. Vossas excelências sabem o que está acontecendo nesta terra? Parece que não. Os senhores nunca andam nas ruas? Não veem a cara das pessoas? Estou cobrando meus direitos; porque não está dando nem para comer, nem para vestir, nem para morar, e muito menos para sonhar. Aí fica mais grave, porque os senhores não têm o direito de matar sonhos. E não venham nos pedir mais paciência. Estamos muito machucados, explorados e enganados para ter essa coisa mansa chamada paciência.”
(Extraído da crônica “Um prato de lentilha”, de Caio Fernando Abreu)
Caio Fernando Abreu. Esse nome lhe parece familiar? Provavelmente, sim. Caio é considerado um dos escritores mais queridos e populares, daqueles que são parafraseados à exaustão em postagens do Facebook. Até quem nunca leu um livro do gaúcho nascido na cidade de Santiago provavelmente já se deparou com alguma frase escrita por ele e até com frases que não foram escritas por ele, vide as atribuições indevidas feitas a diversos autores que circulam na rede.
Professor, certamente seus alunos do Ensino Médio embarcarão nesta sugestão de aula sobre Caio Fernando Abreu. Ela deve ser dividida em três etapas, desenvolvidas em quatro aulas, o que permitirá uma abordagem mais cuidadosa e ampla. A ideia, professor, é fugir da superficialidade presente nas milhares de frases de Caio que povoam as redes sociais e mostrar aos alunos que eles podem conhecer mais detidamente alguns nomes de nossa literatura brasileira. Apresente à turma um trecho do conto “Corujas”, do livro Inventário do ir-remediável:
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DESFECHO
Num começo de manhã ainda sem sol, igual as que as tinha trazido, Rasputin foi encontrado morto. O corpo pequeno e cinzento, já rígido, sobre os mosaicos frios da cozinha. Desviei os olhos sem dar nome ao sentimento que me invadia. Encolhida em seu canto, Cassandra diminuía cada vez mais. Olhos cerrados com força, eu tinha impressão que vezenquando seu corpo oscilava, talo de capim ao vento, quase quebrado. Até que morreu também. Digna e solitária, quem sabe virgem. Enterraram-na no fundo do quintal, uns jasmins jogados por cima da cova rasa, feita com as mãos. Não fui ver a sepultura. Não sei se me assustava o mistério adensado ou para sempre desfeito. Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)
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Feito isso, peça que os alunos leiam todo conto, disponível aqui. Peça também que façam uma pesquisa completa sobre a vida e a obra de Caio Fernando Abreu, escritor que rompeu com padrões temáticos e estilísticos da literatura nacional. Se preferir, peça à turma que faça um mural na sala de aula reunindo fotos e montagens com frases de Caio. Posteriormente, levante algumas questões que deverão ser respondidas oralmente pela turma, em um debate realizado em sala de aula:
→ De que maneira Caio Fernando Abreu demonstrou seu inconformismo dentro e fora de seus textos?
→ Quais inovações são observadas na linguagem de Caio Fernando Abreu?
→ O que mais chamou sua atenção em relação ao vocabulário adotado por Caio Fernando Abreu?
→ Por que ele foi perseguido nos anos 70? Em qual contexto histórico esse fato ocorreu?
Ao final do debate, proponha que seus alunos procurem outros textos do autor, como suas crônicas, publicadas nos jornais O Estado de S. Paulo e Zero Hora, de Porto Alegre, facilmente encontradas na internet. A sugestão de aula sobre Caio Fernando Abreu tem como principal objetivo mostrar aos alunos a complexidade desse autor que foi um dos mais aclamados, inovadores e populares dos anos 70, 80 e 90, além de mostrar aos jovens que existe literatura fora das redes sociais. Boa aula!
*A imagem que ilustra este artigo foi feita a partir das capas dos seguintes livros:
→ Caio 3D – O essencial da década de 1970, Editora Agir.
→ Caio 3D – O essencial da década de 1980, Editora Agir.
→ Para sempre teu, Caio F. Cartas, conversas, memórias de Caio Fernando Abreu, de Paula Dip, Editora Record.
→ 360 Graus: Inventário astrológico de Caio Fernando Abreu, da escritora e astróloga Amanda Costa, Editora Libreto.
Por Luana Castro
Graduada em Letras