Como a música é uma aliada para realizar o ensino de ciências?

O ensino de ciências pode ser praticado de uma maneira mais atrativa para os alunos a partir de diversas estratégias, como o uso da música.
Professor de desenho cantando. Texto na imagem: A música é uma grande aliada do ensino de ciências
A música apresenta muitas ferramentas para o ensino das ciências.
Crédito: Canva / Inteligência Artificial
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O ensino de ciências é, muitas vezes, assustador para uma parcela dos alunos. Matérias como química, física e biologia podem criar uma sensação de afastamento e de complexidade desnecessárias aos estudantes de ensino médio, principalmente, aqueles que não tem facilidade nestas áreas.

Um dos recursos que se apresenta para aumentar a proximidade e diminuir o terror que alguns alunos sentem ao ouvir sobre estas matérias é a música. Uma ferramenta poderosa para transliterar ideias complexas em poucos versos ritmados que ficam "presos na cabeça".

Mas existe uma certa apreensão em relação a este tema, como "a música não iria distrair ainda mais os alunos?", "o conteúdo não irá se perder?", ou até mesmo "existe literatura científica por trás dessa ferramenta didática?"

Na busca de sanar estas dúvidas, conversamos com o professor de química Paulo Vitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Veja o que descobrimos nesta conversa!

Professor Paulo Vitor. Acervo Pessoal.

O ensino das ciências e os tempos de escola

Paulo Vitor nos conta que escolheu a química, pois, por meio dela, ele conseguia compreender o mundo a partir das transformações da matéria. A princípio, seu desejo era atuar na indústria, mas, logo na graduação, percebeu outra paixão, o ensino.

Ele disse:

"Percebi que aquele espaço que contribui na formação de pessoas era o meu lugar. Ensinar química, não é falar sobre reações químicas e fórmulas, entende? É dar condições para que os estudantes desenvolvam senso crítico para diversas situações cotidianas para interpretar e entender o mundo."

O professor também nos conta sobre uma dificuldade que tinha em história, mais especificamente, quando o ensino da matéria era focado puramente em datas. Mas quando teve contato com uma interpretação mais ampla da história, que procura, assim como a química, interpretar o mundo (porém a sua maneira, como relações humanas localizadas no tempo e não transformações de matéria) viu essa dificuldade ser substituída pelo interesse.

Qual a dificuldade dos alunos em apreender ciências?

Ao ser questionado sobre a dificuldade didática que professores de ciências, mais especificamente de química, enfrentam nas salas de ensino médio, o professor afirma que os alunos têm uma pré-concepção de a química ser muito difícil. Ele afirmou em relação a isso:

"Muitos estudantes veem a química como distante do cotidiano, com fórmulas complicadas e sem aplicação prática. A química não é isso, a química está no nosso meio e para ensinar a química não precisa ter o foco principal em fórmulas complexas, muitas vezes, sem aplicação na realidade fora da escola."

O professor afirma que o grande desafio é materializar o conteúdo para aproximá-lo da realidade dos alunos. Paulo Vitor, que trabalha na formação de professores de ciências e química na UFU, afirma que um dos seus objetivos de suas aulas é mostrar para os futuros educadores que a ciência precisa ser tratada como uma área que facilitará a leitura de mundo dos estudantes da educação básica.

Materiais didáticos

Paulo Vitor também fala de uma carência dos materiais didáticos que, na maioria das vezes, buscam revisar algum determinado conteúdo, mas não colaboram na formação e entendimento dos conceitos. Falta a protagonização dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem, são tratados apenas como parte passiva do conhecimento, fortalecendo o distanciamento com a matéria.

Neste sentido, o professor faz um aviso para o futuro:

"Principalmente, com essa geração alfa que nasceu após 2010, se os professores de ciência e de química não reconhecerem que os estudantes têm potencial para serem coautores de sua aprendizagem, a tendência é os alunos se dispersarem na aula. Minha sugestão é utilizar meios para protagonizar a participação efetiva dos estudantes"

O uso da música para o ensino de ciências

A música tem uma série de vantagens a depender da forma que é utilizada. Ela colabora desde o processo de formação conceitual, o desenvolvimento da criatividade até a contextualização dos assuntos na realidade prática. 

O professor também afirma que a música viabiliza a socialização e a concentração. Ele afirma:

"Eu já trabalhei a música de diferentes formas, partindo de um conceito para que os estudantes construam aquela formação conceitual, até projetos maiores que os estudantes se mobilizam em grupos para pensar na letra, na harmonia, na melodia e convidar colegas de outras escolas para realizar um grande evento."

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Como a música já tem sido usada o que falta descobrir?

Paulo Vitor realizou um levantamento bibliográfico para identificar como a música tem sido utilizada no ensino de ciências. Nesta pesquisa ele descobriu a música ainda é muito usada para transformar o ambiente de sala de aula mais descontraído e, ao mesmo tempo, revisitar conceitos já estudados, inclusive, com muito uso de paródias.

Ele destaca pesquisas recentes que identificaram que a capacidade da música de desenvolver habilidades cognitivas e emocionais ainda não é explorada de forma satisfatória na educação. Paulo Vitor declarou:

"Nós podemos utilizar a música para além de uma ferramenta que deixa a sala mais descontraída. A música é um meio com muito potencial para desenvolver o pensamento crítico e científico."

Ainda existe uma certa resistência na utilização da música na ciência, apesar de já existir literatura científica sobre o tema. Entretanto, desde a promulgação da Lei 11.769/08 (que estabelece a música como matéria obrigatória) o interesse pela música como ferramenta pedagógica vem aumentando.

O desafio que permanece, segundo Paulo Vitor, é a ideia que a música causa dispersão e é preciso pensar como incorporá-la com estratégia nos recursos didáticos. O pesquisador afirmou:

"Muitos professores, inicialmente, eles estranham quando a gente fala as possibilidades, mas mudam depois de ver os resultados, inclusive, benefícios para o professor, porque os alunos vão se envolver naquela atividade de forma mais voluntária."

Conselhos para utilizar música no ensino de ciências

O professor afirma que é comum que alguns educadores que queiram utilizar músicas na sala de aula podem lidar com um pouco de vergonha, mas ele avisa que não é preciso sequer cantar. É possível apenas mostrar a letra e debater o assunto.

Ele disse:

"Trazer uma simples letra para a sala de aula e colocar ali a música e a partir dela começar a explorar o conteúdo com os estudantes, já é um avanço. Com o tempo, o professor vai aprimorando, por exemplo, mobilizar os estudantes para produção de músicas ou paródias sobre o conteúdo já estudado ou que vai ser estudado."

O professor cita o exemplo da sala de aula invertida, em que os alunos podem preparar músicas sobre assunto que ainda não estudaram para aumentar sua protagonização, é possível permitir que os próprios estudantes criem versos e harmonias. É preciso experimentar e ver como os alunos reagem à ideia, para ir criando adaptações que respondam a sua realidade.

Por fim, o professor conta de experiências que resultaram em eventos com apresentações das músicas com grande participação dos estudantes que, até mesmo, convidaram colegas de outras escolas.

 

Por Tiago Vechi

Jornalista