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Falar sobre Paulo Freire é falar sobre esperança. A esperança de viver um sonho coletivo, em que a educação liberta e os alunos caminham na direção do pensamento crítico e autônomo, sem bengalas e nem alienações.
Sonho este que nasceu em solo brasileiro e, enquanto brotava, foi regado pelo suor e sangue de pessoas nascidas nesta mesma terra. Mas, ainda que perseguido e podado, o sonho coletivo cresceu, floresceu e deu seus doces frutos.
Hoje, não se limita mais a um povo, nem se apega a fronteiras, é um sonho humano; compartilhado com o mundo e propagado em muitas línguas. Prova disso, são as produções científicas e esforços sociais feitos em terras distantes, tais como a Finlândia, com o objetivo de propagar e viver a filosofia freiriana.
Muitas perguntas surgem quando se pensa sobre como as ideias de Paulo Freire chegaram e são interpretadas na Finlândia. Na busca de responder estas questões e de saber mais sobre esta história nórdico-brasileira, conversamos com Juha Suoranta, professor na faculdade de Ciências Sociais na Tampere University e com Tuukka Tomperi, pesquisador sênior na Faculdade de Educação da mesma universidade.
Ambos, além de grandes entusiastas de Paulo Freire, produziram artigos sobre a educação finlandesa e o autor. Juha Suoranta, inclusive, é fundador do centro Paulo Freire-Finlândia, que promove as ideias freirianas no país e o diálogo internacional com outras comunidades relacionadas a Paulo Freire e Tuukka Tomperi participou da tradução da Pedagogia do Oprimido para o finlandês.

Como conheceram Paulo Freire?
Antes de buscar mais informações, questionamos como ocorreu o primeiro contato deste pesquisador com as ideias freirianas. Juha nos conta que conheceu Paulo Freire por conta de um livro escrito por um sociólogo finlandês chamado Antti Eskola. Nesta obra, o autor debate a campanha de alfabetização de Paulo Freire feita coma população pobre. Isto chamou atenção de Juha por conta de sua origem pertencente a classe trabalhadora.
Tuukka nos conta que começou a estudar filosofia nos anos 90, nesta época ele conhecia Freire de nome. Mas, só foi ler Freire a primeira vez em 1997, quando entrou em contato com a obra "Pedagogia do Oprimido" que coincidiu com sua visão de mundo associada ao Neo-Marxismo.
Freire na Finlândia
Juha Suoranta afirma que a influência de Paulo Freire na vida social e na educação finlandesa é sutil, porém significativa. O público geral pode até não conhecer o nome, ou os livros dele não estarem presentes no currículo escolar, mas suas ideias influenciam a formação de muitos educadores, principalmente, na educação não formal de adultos.
Outros aspectos de destaque do contato com Freire são os movimentos sociais, educação cívica, pedagogia participativa e práticas democráticas nas escolas. Juha também declarou:
"Conceitos como aprendizado dialógico, consciência crítica e educação como ferramenta de capacitação têm forte ressonância na tradição finlandesa de educação igualitária e centrada no aluno." (traduzido do inglês)
A Finlândia começou uma grande reforma educacional na década de 60 e, ainda que Freire não tenha participado diretamente, as ideias promovidas tinham uma grande convergência com a pedagogia freiriana. Tukka nos conta que, na década de 70, a Finlândia recebeu muito exilados da ditadura chilena e, concomitante a isso, o mundo nórdico aumentava seu interesse em promover políticas sociais no que, hoje, chamamos de sul global.
Dessa forma, o interesse por pensadores latino-americanos, inclusive Paulo Freire, ganhou grande repercussão em países como Suécia e Finlândia, o que cresceu até a década de 80. A Suécia incorporou mais robustamente a ideologia freiriana, Tuukka afirma que isso também poderia ter acontecido na Finlândia, mas não foi na mesma intensidade.
Já na década de 90 e no começo dos anos 2000, os próprios Juha e Tuukka já estudavam Paulo Freire. Juha fala que a influência de Paulo Freire foi mais marcante na educação não formal de adultos, ele declarou:
'Além disso, nas décadas seguintes, particularmente na educação de adultos e na educação não formal, a influência de Freire tornou-se mais explícita na Finlândia, inspirando educadores engajados com a cidadania, o empoderamento e a pedagogia crítica fora do sistema escolar tradicional.
Em resumo, embora Freire não tenha sido uma figura central no processo de reforma original, sua filosofia ecoa nas aspirações humanistas e igualitárias da reforma finlandesa—e continua a inspirar educadores que buscam aprofundar seu potencial democrático." (traduzido do inglês)
Nas escolas e faculdades
Os alunos, crianças e adolescentes na Finlândia, não vão conhecer o nome de Paulo Freire, mas os professores tiveram contato com as ideias durante a formação universitária. Tuukka revela que a obra "Pedagogia do Oprimido" é um dos clássicos contemporâneos da teoria educacional usada como literatura de cursos de formação de professores e ciências da educação em universidades, desde os anos 90.

O pesquisador também afirma que este livro estava entre as obras clássicas que os alunos podiam escolher para seus exames sobre a história da teoria educacional, ao lado de Democracia e Educação, de John Dewey. Por fim, ele disse:
"Como as ideias da pedagogia crítica se tornaram mais amplamente conhecidas na Finlândia a partir de meados da década de 1990, com Juha desempenhando o papel mais central nisso, e quando Aino Hannula, em 2000, publicou a primeira dissertação finlandesa sobre Freire, e ainda mais quando Pedagogia do Oprimido foi publicado em finlandês em 2005, o conhecimento sobre Freire aumentou significativamente em nosso país.
Eu diria que, ainda hoje, a maioria dos estudantes de ciências da educação e formação de professores pelo menos encontra o nome de Freire em seus estudos e, portanto, a maioria dos professores finlandeses reconhece seu nome e sabe algo sobre pedagogia crítica, mesmo que não tenha lido a obra de Freire." (traduzido do inglês)
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Na educação não-formal de adultos
Na Finlândia, a educação não formal refere-se ao aprendizado organizado fora do sistema escolar formal; no entanto, é intencional, estruturado e orientado por objetivos. Esse tipo de educação é parte integrante do modelo de aprendizado contínuo da Finlândia e abrange várias atividades educacionais para indivíduos de todas as idades, especialmente adultos.
Juha Suoranta diz que a educação não formal finlandesa promove o aprendizado ao longo da vida, a inclusão e a participação ativa na sociedade, ajudando a evitar a exclusão, especialmente entre adultos mais velhos, migrantes, desempregados e outros em situações vulneráveis. Além disso, ela aprimora a conscientização cultural, o pensamento crítico e os valores democráticos - muito em linha com a visão de educação de Paulo Freire.
Tuukka reafirma que os princípios que baseiam a educação nórdica já tem muito em comum com Paulo Freire e, por isso, possuem um terreno fértil para suas ideias. Ele cita algumas instituições civis educacionais que apreciam e valorizam as ideias de Freire, sendo elas a Associação de Educação Popular (Kansan Sivistysliitto) e a Associação Educacional dos Trabalhadores (Työväen sivistysliitto).
O Centro Paulo Freire-Finlândia e relações culturais
O Centro foi fundado em 2007 e sua inauguração contou com o discurso do professor Peter McLaren, da University of California, Los Angeles - UCLA. No começo, organizou seminários de verão com doutorandos que, hoje, são doutores em pedagogia, filosofia e áreas afins.
Atualmente, por falta de investimentos, são os esforços individuais de Juha que o mantém funcionando. Ainda assim, o seu papel de integrar freirianos de diferentes lugares do mundo e promover ideias diferentes na Finlândia continua de suma importância.
Juha comenta sobre o Centro Paul Freire-Finlândia e anuncia o lançamento de seu livro "Paulo Freire, peregrino do óbvio" que está para chegar no Brasil:
"Embora as atividades tenham sido esporádicas nos últimos 15 anos, o centro ainda serve como ponto de contato e como uma maneira de manter vivo o espírito freiriano.
O esforço mais recente nesse espírito é o meu livro sobre Freire no Brasil, intitulado Paulo Freire, Peregrino do Óbvio, publicado pela editora Pontes. Como o título sugere, o livro está em português. Estou muito feliz que essa obra tenha ganhado vida, e seu lançamento oficial será na primavera de 2025—daqui a apenas algumas semanas." (traduzido do inglês)
Tradução da pedagogia do Oprimido para o finlandês
Tukka Tomperi participou ativamente da tradução do livro "Pedagogia do Oprimido" para o finlandês. O nome do livro na língua nórdica é Sorrettujen pedagogiikka. Ele conta que, apesar das grandes diferenças nas línguas, a tradução não apresentou grandes dificuldades.
Eles partiram da obra em inglês e espanhol para realizar ajustes e criar a estrutura geral do livro. Tuukka nos conta mias um pouco do processo:
"O tradutor havia trabalhado com a versão em inglês, mas decidimos na editora Vastapaino que seria melhor comparar a tradução com a versão original em português. Como sei ler espanhol, assumi a tarefa de verificar a tradução finlandesa comparando-a com a versão original em português, usando a versão em espanhol como referência. Acompanhar e entender a edição em português com base no espanhol foi relativamente fácil, pois essas versões do livro são bastante semelhantes. Assim, quatro versões do texto foram usadas no processo de edição da tradução: Finlandês, inglês, espanhol e português.
Naturalmente, fiz ajustes considerando as versões em português e inglês, que podem ser consideradas autorizadas por Freire e, portanto, textos originais. Como resultado, a tradução finlandesa não é idêntica à versão de nenhum outro idioma. A estrutura do livro, a progressão dos capítulos e parágrafos, corresponde à edição em inglês, mas a terminologia e o conteúdo das frases foram, às vezes, modificados com base no português original, com muitas alterações em relação à versão em inglês." (traduzido do inglês)
Mensagem a professores brasileiros
Por fim, pedimos que Tuukka e Juha mandassem uma mensagem para professores brasileiros que ainda compartilham o sonho freiriano no seu trabalho. Eles declararam:
"Queridos camaradas no Brasil, educadoras e educadores que continuam sonhando com Paulo Freire—digamos isso a vocês, não como uma conclusão, mas como um começo:
Não existe educação neutra. Como vocês bem sabem, a educação ou funciona como um instrumento de reprodução do sistema existente de dominação, ou como uma prática de liberdade que abre espaço para a transformação. Por isso, sonhar com um novo sistema educacional não é apenas sonhar com novos currículos, métodos ou tecnologias—é sonhar com uma nova sociedade.
Uma educação verdadeiramente libertadora não pode crescer no solo da injustiça. Ela deve ser regada com democracia, adubada com dignidade e cultivada pela luta. Se queremos uma escola que não silencie, mas escute; que não domestique, mas liberte; então também precisamos lutar por um mundo onde o poder não seja imposto, mas partilhado, onde a economia sirva à vida e não ao capital.
Educar é um ato profundamente político. Exige coragem para enfrentar a opressão, solidariedade para caminhar com os oprimidos e esperança—não como um desejo passivo, mas como uma força militante que insiste, mesmo na escuridão, que a aurora é possível. Continuem seu trabalho, sonhem e se organizem. Quando o povo se educa para a liberdade, nenhum sistema de dominação pode perdurar." (traduzido do inglês)
Por Tiago Vechi
Jornalista