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Operário em Construção e a consciência social

O poema Operário em Construção, de Vinicius de Moraes, permite ao professor trabalhar a formação da classe operária e o processo de construção de sua consciência social.
Vinicius de Moraes, autor de vários poemas e canções, dentre eles “Operário em Construção”.*
Vinicius de Moraes, autor de vários poemas e canções, dentre eles “Operário em Construção”.*
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Um material interessante para se trabalhar com os alunos o desenvolvimento da consciência de classe dos trabalhadores pode ser encontrado no poema “Operário em Construção”, de Vinicius de Moraes, publicado em 1959. Com um trabalho articulado entre a leitura do poema e uma versão cantada por Taiguara (que pode ser facilmente encontrada na internet), é possível ao professor estimular nos alunos o gosto pela leitura de poemas e percepção da construção da consciência social.

O primeiro passo é fazer uma leitura do poema acompanhada da versão musicada por Taiguara (apesar do cantor suprimir alguns versos, situação explicada por se tratar de um show, onde o cantor recita de memória o poema). Esta primeira atividade serve para colocar os alunos em contato com o conteúdo. Após esse contato, o professor deve fazer uma pequena introdução ao poema, explicando rapidamente sobre a biografia do autor e também o contexto de composição, entre os anos de 1949 e 1956, momento em que a polarização política no Brasil se intensificava e o processo de industrialização de alguns centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, consolidava-se.

Posteriormente, o professor pode pedir para que os alunos apontem no poema trechos que eles conseguem destacar tanto sobre a situação de vida do operário como sobre a construção de sua consciência social. Colocando no quadro as contribuições dos alunos, o professor pode iniciar a mediação de um debate sobre o tema proposto pelo poema. Alguns destes aspectos tratados por Vinicius de Moraes serão referidos nas linhas abaixo.

O poema começa com a narrativa do operário da construção civil e seu cotidiano, sem que ele consiga perceber a importância de seu trabalho para a sociedade, que o ato de construir uma casa tinha um grande significado para os que lá dentro iriam morar. Mas mesmo com esse desconhecimento, o operário estava em construção, já que “o operário faz a coisa/ e a coisa faz o operário”. Nesse ato de construir as condições materiais de existência da sociedade, o operário se forma, passando a ter conhecimento de que sua ação social tem também uma importância fulcral na sociedade. A tomada da consciência se dá em um momento simples, de seu cotidiano, no momento de uma refeição: “À mesa, ao cortar o pão/ O operário foi tomado/ De uma súbita emoção/ Ao constatar assombrado/ Que tudo naquela mesa/ - Garrafa, prato, facão -/ Era ele quem os fazia/ Ele, um humilde operário,/ Um operário em construção.”

A partir daí, Vinicius de Moraes expõe que a tomada da consciência social parte de sua função produtiva na sociedade e alcança dimensões mais amplas, primeiramente adquirindo uma concepção estética, da beleza de suas rudes mãos até a transformação de suas experiências de vida em poesia.

A percepção de suas condições de vida leva-o a questionar algumas situações, passando a dizer “não!”, em uma forma de contestação de sua situação social. Mesmo o dizer “não” deixou também de ser um ato individual, passando a compartilhar das insatisfações com seus companheiros de trabalho. Essa ação acaba gerando duas consequências: a primeira, a violência dos delatores, que através de uma sugestão cifrada do patrão, passam a agredir esse operário. A segunda é em relação à ineficiência das agressões, já que elas não removem o operário de suas convicções construídas, e o patrão tenta dissuadi-lo. A partir do momento que ele vê que sua “marmita/era o prato do patrão”, ele contesta o patrão quando este afirma, do alto da construção, ter todo o poder. Ele não via naquilo poder do patrão, mas sim o trabalho de quem o construiu, levando-o a afirmar que o patrão não podia dar nada daquilo a ele, já que foi ele com seus companheiros que construíram tudo o que via.

O resultado é um silêncio que acompanhará a opressão que sofrerá o operário em decorrência de sua conscientização. O poema consegue expor com simplicidade e profundidade o processo histórico de formação da classe operária e a tomada de consciência social, partindo da percepção de sua função produtiva na esfera econômica e construindo uma nova forma de percepção do mundo, que inclui a dimensão estética, a ação coletiva e a necessidade de um posicionamento político, que fundamenta o operário a dizer ao seu patrão um simples “não!”.

O operário em construção

Vinicius de Moraes

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

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* Créditos das Imagens: Shutterstock.com e neftali


Por Tales Pinto
Graduado em História