Quem cuida de quem ensina? Uma análise da saúde mental dos professores

Com recentes atualizações na legislação trabalhista brasileira em relação à saúde mental, surgem novas reflexões sobre o local dos professores neste debate.
Professora cabisbaixa em sala de aula com problemas de saúde mental.
Problemas de saúde mental já superam as doenças físicas em meio aos professores.
Crédito: Shutterstock
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A legislação brasileira trabalhista passou por uma recente atualização que suscitou, novamente, o debate sobre a saúde mental dos trabalhadores brasileiros. A NR-01 (Norma Regulamentadora), também conhecida como "norma mãe" da regulamentação laboral, foi alterada e agora ela identifica os riscos psicossociais à saúde.

Os professores são uma classe que deve se atentar às transformações acontecendo nesse âmbito, visto que, estudos indicam um maior sofrimento psíquico em quem atua com magistério em relação a outras ocupações. O levantamento, feito pelo instituto Rand com professores dos Estados Unidos, percebeu que mesmo com uma melhora nos índices após a pandemia, os professores continuam sendo uma das profissões com mais doenças psíquicas.

Dados de saúde mental do professores

A proporção dos índices de saúde mental dos professores é um alerta tanto para a administração pública para pensar políticas que tratem do problema, como para os profissionais da área ficarem atentos aos sintomas individuais de adoecimento. Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) com professores do estado indicou que 29,73% lidam com depressão, ansiedade, estresse, entre outros problemas.

Sintomas de depressão foram identificados em 44.04% dos professores, dentro deste grupo 25% indicava depressão leve e quase 20% era um quadro de depressão grave ou moderada. A ansiedade é outra grande vilã para este grupo, mais de 70% dos professores lidam com algum tipo de ansiedade, 29,48% é leve e mais de 40% é considerada grave ou moderada.

Confira um quadro que elenca os principais sofrimentos psíquicos dos professores feito com os dados desta mesma pesquisa:

Quadro de saúde mental dos professores. Crédito: UFPR / SCIELO

Fiscalização da saúde mental dos professores

Para compreender como era a fiscalização e o que muda com a atualização da NR para as escolas, conversamos com Viviane Forte, coordenadora-geral de fiscalização em segurança e saúde no trabalho do Ministério do Trabalho. Veja o que descobrimos!

Viviane Forte. Crédito: Acervo Pessoal

Viviane nos explica que a necessidade de proteger a saúde mental e mitigar riscos psicossociais já era uma cobrança anterior da legislação trabalhista, a nova redação da NR apenas determina e esclarece o que precisa ser feito. Ela declarou;

"A rigor essa redação nova não trouxe uma obrigação nova, não que antes as empresas não precisavam se atentar aos riscos psicossociais e a partir de maio vão precisar atentar, não é isso, mas a gente observa pelo impacto na sociedade que muitas empresas, a gente pode deduzir, não estavam considerando os riscos psicossociais antes."

Os aspectos a serem avaliados nas fiscalizações feitas em escolas serão a organização da instituição, aspectos interpessoais, assédios morais, assédios sexuais, demandas e metas inalcançáveis, carga de trabalho excessiva, entre outros. Como exemplo, Viviane cita:

"Alguns pontos que acontecem no ambiente escolar são o público difícil, afinal , os professores,  funcionários em geral da escola, lidam com os alunos e com os pais dos alunos, então são dois públicos dificieis, que, com o passar do tempo, podem contribuir para o cenário de adoecimento do trabalhador.

Talvez, em muitos casos, existam exigêcias contraditórias, por exemplo, a escola cobra uma conduta do professor na sala de aula, de manter a ordem, a disciplina, mas quando exsite conflito com os pais, o professor é advertido. Neste meu exemplo é uma clássica situação de exigência contraditória."

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Por fim, a Viviane explica que professores podem recorrer às denúncias ao Ministério do Trabalho de forma completamente anônima e que os registros serão avaliados pela superintendência regional. Ela ressalta que as escolas devem disponibilizar meios de denúncia e reclamação internos, que também garantam o sigilo.

O que afeta a saúde mental dos professores e como lidar com isso?

Com o objetivo de compreender melhor o contexto e a perspectiva histórica, assim como as consequências do adoecimento mental dos professores, conversamos com a professora de psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) no departamento de psicologia Vládia Jucá, autora da Síntese de Evidências "Promoção de Saúde Mental no Contexto Escolar" realizada pela D3e em parceria com a B3 social e a Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

Vládia Jucá. Créditos Acervo pessoal

Dentre as principais causas do adoecimento dos professores (principalmente de ensino fundamental) destacadas pela pesquisadora estão:

  1. Defasagem salarial
  2. Ataques ideológicos

  3. Sobrecarga de trabalho

  4. Violência

Ao falar mais sobre as origens do sofrimento psíquico nos professores, Vládia explica como a intersecção de diferentes setores sociais interferem diretamente na dinâmica escolar:

"Os alunos trazem para a sala de aula o que eles estão vivendo lá fora, violência estatal, violência das facções, estão passando por situações de fome, conflitos familiares... Então, quando a gente junta tudo, são estudantes com trajetórias marcadas por sofrimento social e psíquico muito elevado.

Aí, os professores se sentem impotentes, porque são situações tão complexas que só a educação nunca vai dar conta, não é à toa que toda política pública defende a intersetorialidade."

Além de lidar com estes aspectos, Vládia destaca os baixos salários e os consecutivos ataques simbólicos e ideológicos (por parte de políticos) protagonizados contra os professores que, segundo a pesquisadora, tem enfrentado uma perca considerável do seu lugar simbólico na sociedade. A combinação dos desafios que atravessam a escola, com o adoecimento mental dos professores e alunos, acaba por criar um sistema de sofrimento que se retroalimenta, ao passo que professores sem saúde mental afetam os alunos e vice-versa.

Dentre as consequências mais drásticas desta ausência de saúde mental, destacadas pela especialista, estão os atentados à mão armada nas escolas. Ela explica a relação:

"Tudo que a gente está vivendo (violência nas escolas) também é fruto de movimentos culturais de exacerbação do individualismo e da tomada da alteridade sempre no nível de rivalidade. "É um rival. O outro está aqui para usurpar algo meu. Eu tenho que me afirmar não pelas relações de pertencimento, comunitárias, familiares, da escola; eu tenho que me firmar no campo social a partir da imagem que consigo construir, sustentar e veicular em redes sociais".

Isso deixa o sujeito sem raízes e muito vulnerável as identificações pautadas na imagem, então temos os fenômenos de formação de grupos neonazistas, grupos de extrema-direita com os quais muitos adolescentes acabam se identificando por uma falta de outros pertencimentos. Isso cria a cultura do ódio.
"


Por Tiago Vechi
Jornalista