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A arte da vida na sala de aula

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Trabalhar com crônicas representa a arte da vida na sala de aula
Trabalhar com crônicas representa a arte da vida na sala de aula

A discussão que ora se faz presente torna-se ainda mais calorosa quando associada às palavras do grande mestre Antônio Cândido, que ressalta:

A crônica não tem pretensões a durar, uma vez que é filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela não foi feita originalmente para o livro, mas para essa publicação efêmera que se compra num dia e no dia seguinte é usada para embrulhar um par de sapatos ou forrar o chão da cozinha [...]

CÂNDIDO, Antônio. In: Para gostar de ler – Crônicas. São Paulo: Ática, 1992, v.5, p.6.

A efemeridade por ele retratada, fazendo referência às publicações diárias de um jornal, sobretudo a parte relacionada à crônica, parece fazer sentido quando relacionada ao efêmero interesse que hoje se acentua na maioria dos educandos quando o assunto é o hábito da leitura. Sim, muitos deles podem até folhear o jornal, no entanto, deparam-se com uma crônica aqui, outra ali, mas... infelizmente, como o próprio autor nos afirma, esse jornal não vai passar de um mero embrulho de sapatos no dia seguinte...

Assim, em face dessa realidade, ocupemo-nos a discutir acerca do trabalho com esse tão importante gênero textual – no caso, a crônica. O objetivo é trabalhar a leitura que, acima de tudo, proporciona-nos uma oportunidade reflexiva, tornando-nos leitores mais sensíveis, dotados de um olhar mais crítico, mais apurado, mediante a realidade que nos cerca. Parece que quando aprendemos a ler além do visível, passamos a enxergar a leitura com outros olhos, consequentemente, assim, ela fará mais sentido para nós. Contextualizando tal afirmativa no universo escolar, a leitura, quando ocorre, é somente uma leitura artificial, naquela em que a essência da palavra ficou muito aquém da capacidade interpretativa do interlocutor.  

Tal fato, muitas vezes, é oriundo da falta de motivação do próprio educador. Um exemplo bastante claro disso é quando se realiza a leitura de um poema sem entonação, sem melodia, parecendo mais um emaranhado de palavras do que palavras dispostas numa sequência de versos, rimas e ritmos. Nesse sentido, torna-se altamente sugestivo o trabalho com crônicas, sobretudo dando ênfase a uma de suas principais características: a reflexão.  

Como passo inicial, é importante que o educador explane acerca de alguns pontos relevantes, tais como: o fato de a crônica transitar entre o jornalismo e a literatura, razão pela qual se encontra veiculada principalmente em jornais e revistas; caracterizar-se como um texto curto, revelado por poucos personagens, econômico também no tempo e no espaço, entre outros pormenores. 

Prosseguindo com tal atividade, interessante também é distribuir à turma cópias de alguns textos expressos a seguir:

Crônica – Engenheiros do Hawaii

já não passa nenhum carro por aqui
já não passa nenhum filme na tv
você enrola outro cigarro por aí
e não dá bola pro que vai acontecer

mais um pouco e mais um século termina
mais um louco pede troco na esquina
tudo isso já faz parte da rotina
e a rotina já faz parte de você

você que tem ideias tão modernas
é o mesmo homem que vivia nas cavernas

todo mundo já tomou a coca-cola
a coca-cola já tomou conta da China
todo cara luta por uma menina
e a Palestina luta pra sobreviver

a cidade, cada vez mais violenta
(tipo Chicago nos anos quarenta)
e você, cada vez mais violento
no seu apartamento ninguém fala com você

você que tem ideias tão modernas
é o mesmo homem que vivia nas cavernas

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Prioridades - Lya Luft

"Muito do que gastamos (e nos desgastamos) nesse consumismo feroz podia ser negociado com a gente mesmo: uma hora de alegria em troca daquele sapato. Uma tarde de amor em troca da prestação do carro do ano; um fim de semana em família em lugar daquele trabalho extra que está me matando e ainda por cima detesto.

Não sei se sou otimista demais, ou fora da realidade. Mas, à medida que fui gostando mais do meu jeans, camiseta e mocassins, me agitando menos, querendo ter menos, fui ficando mais tranquila e mais divertida. Sapato e roupa simbolizam bem mais do que isso que são: representam uma escolha de vida, uma postura interior.

Nunca fui modelo de nada, graças a Deus. Mas amadurecer me obrigou a fazer muita faxina nos armários da alma e na bolsa também. Resistir a certas tentações é burrice; mas fugir de outras pode ser crescimento, e muito mais alegria.

Cada um que examine o baú de suas prioridades, e faça a arrumação que quiser ou puder.

Que seja para aliviar a vida, o coração e o pensamento - não para inventar de acumular ali mais alguns compromissos estéreis e mortais."

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Brasileiro não gosta de ler? - Lya Luft
A meninada precisa ser seduzida. Ler pode ser divertido
e interessante, pode entusiasmar, distrair e dar prazer

Não é a primeira vez que falo nesse assunto, o da quantidade assustadora de analfabetos deste nosso Brasil. Não sei bem a cifra oficial, e não acredito muito em cifras oficiais. Primeiro, precisa ser esclarecida a questão do que é analfabetismo. E, para mim, alfabetizado não é quem assina o nome, talvez embaixo de um documento, mas quem assina um documento que conseguiu ler e... entender. A imensa maioria dos ditos meramente alfabetizados não está nessa lista, portanto são analfabetos – um dado melancólico para qualquer país civilizado. Nem sempre um povo leitor interessa a um governo (falo de algum país ficcional), pois quem lê é informado, e vai votar com relativa lucidez. Ler e escrever faz parte de ser gente.

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Sempre fui de muito ler, não por virtude, mas porque em nossa casa livro era um objeto cotidiano, como o pão e o leite. Lembro de minhas avós de livro na mão quando não estavam lidando na casa. Minha cama de menina e mocinha era embutida em prateleiras. Criança insone, meu conforto nas noites intermináveis era acender o abajur, estender a mão, e ali estavam os meus amigos. Algumas vezes acordei minha mãe esquecendo a hora e dando risadas com a boneca Emília, de Monteiro Lobato, meu ídolo em criança: fazia mil artes e todo mundo achava graça.

E a escola não conseguiu estragar esse meu amor pelas histórias e pelas palavras. Digo isso com um pouco de ironia, mas sem nenhuma depreciação ao excelente colégio onde estudei, quando criança e adolescente, que muito me preparou para o mundo maior que eu conheceria saindo de minha cidadezinha aos 18 anos. Falo da impropriedade, que talvez exista até hoje (e que não era culpa das escolas, mas dos programas educacionais), de fazer adolescentes ler os clássicos brasileiros, os românticos, seja o que for, quando eles ainda nem têm o prazer da leitura. Qualquer menino ou menina se assusta ao ler Macedo, Alencar e outros: vai achar enfadonho, não vai entender, não vai se entusiasmar. Para mim esses programas cometem um pecado básico e fatal, afastando da leitura estudantes ainda imaturos.

Como ler é um hábito raro entre nós, e a meninada chega ao colégio achando livro uma coisa quase esquisita, e leitura uma chatice, talvez ela precise ser seduzida: percebendo que ler pode ser divertido, interessante, pode entusiasmar, distrair, dar prazer. Eu sugiro crônicas, pois temos grandes cronistas no Brasil, a começar por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, além dos vivos como Verissimo e outros tantos. Além disso, cada um deve descobrir o que gosta de ler, e vai gostar, talvez, pela vida afora. Não é preciso que todos amem os clássicos nem apreciem romance ou poesia. Há quem goste de ler sobre esportes, explorações, viagens, astronáutica ou astronomia, história, artes, computação, seja o que for.

O que é preciso é ler. Revista serve, jornal é ótimo, qualquer coisa que nos faça exercitar esse órgão tão esquecido: o cérebro. Lendo a gente aprende até sem sentir, cresce, fica mais poderoso e mais forte como indivíduo, mais integrado no mundo, mais curioso, mais ligado. Mas para isso é preciso, primeiro, alfabetizar-se, e não só lá pelo ensino médio, como ainda ocorre. Os primeiros anos são fundamentais não apenas por serem os primeiros, mas por construírem a base do que seremos, faremos e aprenderemos depois. Ali nasce a atitude em relação ao nosso lugar no mundo, escolhas pessoais e profissionais, pela vida afora. Por isso, esses primeiros anos, em que se aprende a ler e a escrever, deviam ser estimulantes, firmes, fortes e eficientes (não perversamente severos). Já se faz um grande trabalho de leitura em muitas escolas. Mas, naquelas em que com 9 ou 10 anos o aluno ainda não usa com naturalidade a língua materna, pouco se pode esperar. E não há como se queixar depois, com a eterna reclamação de que brasileiro não gosta de ler: essa porta nem lhe foi aberta.

Realizada a leitura desta tríade de exemplos, por que não, em círculo, realizar um debate acerca das ideias contidas nos textos? Nesse debater, possivelmente, com a ajuda do educador, os alunos terão condições de atingir o principal objetivo da metodologia utilizada: o de ter condições de desvendar o que está além das palavras, ou seja, o indizível, visto que, muitas vezes, principalmente por meio da crítica sutil, o cronista denuncia um fato polêmico relacionado às nossas atitudes cotidianas, fazendo-nos perceber que mudanças são sempre bem-vindas, no sentido de mudar uma dada realidade.

Dessa forma, os três textos parecem evocar tal comportamento, haja vista que a questão do consumismo, a importância de desenvolvermos o hábito da leitura enquanto fonte produtora de conhecimento e as mudanças que devemos operar dentro de nós mesmos estão neles implícitos.

Finalizando, outra sugestão é aproveitar as aulas de produção de texto e propor aos alunos que, por meio de um determinado acontecimento marcante em suas vidas (um acontecimento presenciado na ida ou vinda da escola, enfim, algo que fez ou faz parte de suas experiências cotidianas), criem uma crônica. Na escolha daquelas que se destacarem mais, quem sabe, como presente... um livro de crônicas. Eis uma atitude que poderá motivá-los rumo à criação de textos cada vez mais aperfeiçoados.


Por Vânia Duarte
Graduada em Letras
Equipe Brasil Escola