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A relação entre senhores e escravos

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Discutir a escravidão em momentos históricos distintos promove um interessante debate em sala.
Discutir a escravidão em momentos históricos distintos promove um interessante debate em sala.

Ao refletirmos sobre a temática da escravidão, em diversas ocasiões, somos tentados a projetar sobre os horrores de uma relação onde um indivíduo se submete às determinações de outrem. Inseridos em uma cultura que muitas vezes valoriza a equidade dos indivíduos na sociedade, podemos ter algumas impressões sobre tal questão que foge completamente das características próprias que a escravidão teve em diferentes momentos da História.

Em sala de aula esse problema ganha maior relevância quando o professor tem a obrigação de mostrar à classe as nuances que marcam este tipo de prática. Apesar de ter grade efeito didático, restringir a reflexão do escravismo ao sofrimento, aos castigos físicos e às pesadas obrigações, pode abrir portas para alguns tipos de generalizações que devem ser devidamente rompidas pelo professor. Para tanto, sugerimos a leitura de dois relatos que falam sobre a escravidão em distintos momentos.

Primeiramente, oferecemos o relato do jurista romano Gaio encontrado em sua obra “Instituições”, do ano II d.C.. De acordo com essa autoridade jurídica:

“Hoje em dia, não é permitido nem aos cidadãos romanos, nem a nenhum dos que se acham sob o império do povo romano, castigar excessivamente e sem motivo os escravos. Pois, em virtude de uma constituição do imperador Antonino, aquele que matar sem motivo o seu próprio escravo é passível de sanção (...) mesmo um rigor demasiado severo dos amos é reprimido por uma constituição do mesmo principie”

Em seguida, atravessando diversos séculos depois e chegando ao Brasil Colonial do século XVIII, podemos apreciar o seguinte depoimento de um padre jesuíta:

“Não castigar os excessos que eles [os escravos] cometem seria culpa não leve, porém estes [senhores] hão de averiguar antes, para não castigar inocentes, e se hão de ouvir os delatados e, convencidos, castigar-se-ão com açoites moderados ou os meterem em uma corrente de ferro por mão própria e com instrumentos terríveis e chegar talvez aos pobres com fogo ou lacre ardente, ou marcá-los na cara, não seria para sofrer entre os bárbaros, muito menos entre os cristãos católicos”

Em um primeiro momento, temos uma interessante observação a ser trabalhada junto aos alunos que realizam a leitura desse conjunto de fontes documentais. Ambos os relatos salientam a importância de se estabelecer critérios que justificassem a aplicação de castigos físicos aos escravos. Mesmo isso não implicando na necessária suavização das punições, pode-se observar que o castigo físico não era visto como um direito inquestionável a todo o senhor de escravos.

No caso romano, podemos ver que essa preocupação era ainda maior tendo em vista a presença de orientações jurídicas dos próprios representantes do governo sobre os limites a serem preservados na relação entre senhores e escravos. Passado para a situação brasileira, a punição física não chega a ser regulamentada por ações políticas, mas se diferencia da anterior ao considerar que alguns tipos de punição, hoje consideradas terríveis, tinham a simples finalidade de disciplinar o escravo.

Trabalhando com esses elementos a classe tem a oportunidade de entrar em contato com uma outra perspectiva sobre o assunto. A imagem do senhor de escravos como um irremediável tirano não condiz com as reflexões pautadas em ambos os momentos históricos privilegiados em tal discussão. Ao mesmo tempo, os discentes, com devido auxílio do mestre, tendem a perceber que a noção de punição, tortura e violência sofrem alterações diversas ao longo do tempo.


Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola

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