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Quando debatemos o desenrolar do Renascimento Comercial, é comum estabelecermos uma representação da burguesia que se forma enquanto classe naquele momento. O burguês, mais do que se envolver com outro tipo de atividade econômica– apartada dos antigos ditames da sociedade feudal – seria uma personagem histórica dotada de outros valores, interesses e práticas. Diferenças de comportamento que o instalaria no centro das mudanças que marcam o fim da Idade Média e o começo da Idade Moderna.
No entanto, não devemos nos tomar por essa perspectiva acreditando que o burguês era uma figura alheia à realidade e tradição que o cercava. Muito pelo contrário, os burgueses ainda carregavam entre si um forte sentimento religioso que, em muitas vezes, o colocava em situação conflituosa. Ao tomarmos a prática da usura como exemplo, e sua condenação pela Igreja, temos um instigante caso em que as práticas comerciais da burguesia entrariam em choque com a interpretação oficial que os clérigos medievais davam ao empréstimo de recursos sob a cobrança de juros.
Visando trabalhar esse tema em sala de aula, o professor pode expor aos alunos que a condenação religiosa era algo fortemente significativo para a burguesia, tendo em vista que a salvação espiritual era assunto de grande importância. Esclarecendo a questão à turma, o professor pode salientar que a Igreja via a usura como uma prática onde o burguês lucrava sem trabalhar e explorava o seu próximo utilizando algo que era de posse divina: o tempo.
Feita essa consideração, exponha aos alunos uma interessante passagem em que o historiador Jacques Le Goff aborda essa questão destacando o impacto que a invenção do purgatório teve na Baixa Idade Média. Usando um projetor ou reproduzindo cópias, ofereça à turma este trecho da obra “A bolsa e a vida – a usura na Idade Média”. Segue o trecho:
“Numa sociedade em que toda consciência é uma consciência religiosa, os obstáculos são antes de tudo – ou finalmente – religiosos. A esperança de escapar ao Inferno, graças ao Purgatório, permite ao usurário fazer avançar a economia e a sociedade do século XIII em direção ao capitalismo”. (LE GOFF, J. A bolsa e a vida – a usura na Idade Média. Trad. Rogério Silveira Muoio. São Paulo: Brasiliense, 2004. p.90)
Realizando a leitura desse documento, o professor de História tem condições de revelar uma faceta ainda pouco explorada da Idade Média. Ao invés de expor a Igreja como mera instituição rígida e intransigente, vemos na criação do purgatório um processo de transformação em que os clérigos percebiam a relevância em se confortar e agregar a devoção espiritual da burguesia. De tal modo, o purgatório servia como uma alternativa à antiga condenação reservada aos usurários.
Por fim, desenvolvendo as questões inseridas nesse comentário, é possível apresentar a Idade Média de uma forma menos tendenciosa e afastada dos antigos preconceitos que se desenvolveram sobre tal período da História. Ao mesmo tempo, a atividade debatedora convida os alunos a refletirem sobre o passado com maior ânimo e menos apatia.
Por Rainer Sousa
Mestre em História
Equipe Brasil Escola