Ilha das Flores é um premiado curta-metragem lançado em 1989, que foi dirigido e roteirizado por Jorge Furtado. Eleito o melhor curta brasileiro de todos os tempos, ele aborda questões como a fome, as desigualdades socioeconômicas e a extrema pobreza a partir de uma exposição que conta o caminho do tomate desde a lavoura até o aterro sanitário. O filme tece uma crítica à sub-humanização da parcela pobre da população e ao sistema econômico vigente. Apesar de fazer referência a um lugar real que está situado em Porto Alegre (RS), o curta gerou controvérsia e foi criticado por moradores locais pela forma como eles foram apresentados.
Como recurso pedagógico, Ilha das Flores auxilia na abordagem de conteúdos temáticos de diferentes áreas do conhecimento, como a geografia. Aulas práticas e debates podem ser realizados em torno de problemáticas como a insegurança alimentar, o descarte irregular de lixo, a coleta seletiva, a sustentabilidade e as desigualdades socioeconômicas.
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Resumo sobre Ilha das Flores
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Ilha das Flores é um curta-metragem de 1989 dirigido e roteirizado pelo cineastra brasileiro Jorge Furtado. No entanto, não é classificado como documentário pelo diretor, que caracteriza sua produção como um “filme de ensaios”.
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O curta tem como temas a fome, a extrema pobreza e as desigualdades socioeconômicas que são retratadas a partir da relação entre o consumo e o descarte de alimentos.
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O diretor utiliza a desconstrução e reapresentação de conceitos banais para evidenciar a inversão de valores causada pelo sistema econômico vigente, que fez com que situações como a sub-humanização da pobreza fossem normalizadas.
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A Ilha das Flores é um lugar real que faz parte do bairro Arquipélago, em Porto Alegre (RS). No entanto, a situação exibida no filme é contestada pelos moradores locais.
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A estrutura do curta torna o filme um recurso pedagógico importante que pode ser usado para a introdução de temáticas em diferentes disciplinas, principalmente a geografia.
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A extrema pobreza, a insegurança alimentar, as desigualdades socioeconômicas, a coleta seletiva e a sustentabilidade são alguns dos temas que podem ser trabalhados em sala de aula a partir do filme Ilha das Flores.
Do que se trata o Ilha das Flores?
Ilha das Flores é um curta-metragem lançado em 1989 que foi dirigido e roteirizado pelo conceituado cineastra brasileiro Jorge Furtado (1959–). A temática central do filme é a fome aliada à lógica do consumo desenfreado e às desigualdades socioeconômicas perpetuadas no sistema de produção capitalista, analisada a partir da vida da população de um bairro carente de Porto Alegre (RS), cidade natal do diretor.
A produção de apenas 13 minutos conquistou inúmeros prêmios desde o seu lançamento, incluindo o Urso de Prata no 40º Festival Internacional de Cinema de Berlim (Alemanha) em 1990. Recentemente, em 2019, Ilha das Flores foi eleito o melhor documentário brasileiro de todos os tempos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).
Apesar de ser comumente chamado de documentário, o diretor Jorge Furtado classifica a sua produção como “filme” e explicou em uma entrevista para o portal G1|1| o porquê:
"O [filme] 'Ilha' não é um documentário, é um filme de ensaios, com textos ilustrados. Parte desse texto é jornalístico. Quando eu vi aquela situação pensei 'vou fazer um filme sobre isso'. Era um absurdo. Ele retrata o absurdo lógico".
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Qual a crítica social do documentário Ilha das Flores?
A sub-humanização de indivíduos que convivem com a miséria e a fome está no centro do debate crítico levantado por Jorge Furtado no filme Ilha das Flores. Porém, essa proposta não parece tão óbvia quando começamos a assistir à produção.
No curta, o consumo e o descarte são colocados em evidência por meio do circuito espacial produtivo do tomate. A fruta é produzida e vendida pelo agricultor aos mercados. Esses estabelecimentos revendem para uma parcela da população, formada pelo seleto grupo de indivíduos detentor de uma fonte de renda que lhes permite ter certa qualidade de vida. Quando adquiridos, os tomates viram fonte de nutrientes, mas alguns acabam sendo descartados por conta da baixa qualidade. O material descartado é conduzido para o aterro sanitário da Ilha das Flores, onde são separados alimentos que podem ser dados aos porcos criados na área.
Aquilo que não foi consumido pelos porcos é disponibilizado para mulheres e crianças que habitam o local. No entanto, os restos do descarte ficam à disposição somente por um intervalo de tempo, que é cronometrado. Fica claro, com isso, que até mesmo o lixo é racionado para aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza, imersos em uma realidade de miséria e insegurança alimentar.
O diretor se vale de uma técnica de desconstrução de ideias preconcebidas e reapresentação de conceitos banais para tecer a linha narrativa de seu documentário. Ele começa com a definição do que é um ser humano, colocando em destaque o que o diferencia das demais espécies de animal. Posteriormente, fala sobre o tomate, alimento escolhido como símbolo para a introdução do tema principal. Passa, então, para a conceituação de supermercado e do processo de compra, venda e descarte, até chegar aos habitantes (tanto humanos quanto não humanos) da Ilha das Flores.
Esse recurso empregado por Jorge Furtado é, ao mesmo tempo, didático e impactante. Didático porque transforma um conhecimento internalizado de todo ser humano em um elemento novo que necessita ser pormenorizado como forma de chamar a atenção para a ideia central do filme. Impactante porque escancara uma realidade que foi naturalizada no sistema capitalista: uma inversão de valores que culmina na sub-humanização de pessoas em situação de extrema pobreza. No curta Ilha das Flores, indivíduos famintos que convivem com a miséria, não por escolha própria, são subjugados a uma condição inferior à dos porcos.
É importante, no entanto, atentar a uma informação que é passada nos créditos finais do filme: a maioria das filmagens aconteceram na Ilha dos Marinheiros, que fica localizada a cerca de 2 quilômetros da Ilha das Flores.
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Ilha das Flores existe?
Sim, a área chamada Ilha das Flores existe e faz parte de um arquipélago ao qual pertence, também, a Ilha dos Marinheiros. Ela fica em uma região periférica e que pode ser classificada como de risco, estando às margens de um rio e na beira de uma rodovia. A pobreza é flagrante na Ilha das Flores, onde se observam moradias precárias e ausência de infraestrutura adequada, principalmente saneamento básico.
As doações de alimentos vindas de estabelecimentos locais que aconteciam em áreas vizinhas, de fato, ajudavam a população da Ilha das Flores, mas a prática acabou sendo proibida pela prefeitura ainda na década de 1980. Contudo, os moradores relatam a solidariedade interna na comunidade da Ilha das Flores, em que vizinhos formam redes de apoio para prestarem apoio àqueles que estão passando por algum tipo de necessidade. Dentre as atividades econômicas desenvolvidas na ilha estão a coleta de lixo e a reciclagem, já que a área se tornou um depósito de materiais da cidade.
Muitos moradores do local se mostraram insatisfeitos com o filme por não retratar a realidade, de fato. Aqueles que participaram da produção relataram que a situação com os porcos nunca existiu: a triagem de alimentos era feita antes de serem destinados aos animais, muitas vezes pelos próprios ilhéus, que recolhiam a comida que estava em boas condições e que poderia ser consumida. Então, eles não comiam diretamente do lixo, tampouco ficavam com a comida de baixa qualidade teoricamente rejeitada pelos porcos.
Por causa da maneira como o filme foi construído, os moradores da Ilha das Flores ficaram conhecidos como “comedores de lixo”, e muitos relatam que isso os afetou de forma direta, aprofundando o preconceito e a exclusão que já eram enfrentados pela população da comunidade. Por outro lado, há pessoas na Ilha das Flores que interpretam o filme como uma crítica à situação de vulnerabilidade social e, principalmente, à maneira como acontecia a criação de porcos.
Onde fica a Ilha das Flores?
A Ilha das Flores é uma das ilhas do bairro Arquipélago, que fica localizado na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Ela é cercada pelas águas do Guaíba e, por isso, foi duramente afetada pelas enchentes que aconteceram no município em 2024.
Mas, atenção: existe uma cidade chamada Ilha das Flores no estado do Sergipe, no Nordeste do Brasil. Ela não tem nenhuma relação com o curta-metragem aqui apresentado.
Onde assistir ao documentário Ilha das Flores?
Ilha das Flores está disponível em dois serviços de streaming:
• Prime Video, por meio da assinatura da rede Telecine;
• Globoplay.
Como trabalhar em sala de aula o documentário Ilha das Flores?
O curta Ilha das Flores é muito utilizado como recurso pedagógico para introduzir temáticas importantes em sala de aula. Sua aplicação pode ser feita de muitas formas que vão além da simples exibição do filme, incitando o pensamento crítico dos alunos e incentivando a sua participação ativa em atividades que são de extrema importância em um contexto social amplo.
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O formato de debates é, talvez, o mais utilizado quando falamos do filme Ilha das Flores. Após a exibição do filme em sala de aula, o docente pode indagar os alunos sobre os principais pontos de crítica que eles observaram na produção, levando em consideração os conteúdos que estão sendo estudados na disciplina ministrada. Mudar a configuração da sala de aula pode ajudar a deixar os estudantes mais confortáveis para compartilharem o seu ponto de vista, dispondo todas as carteiras em um círculo amplo para criar esse ambiente propício.
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Ainda no formato debate, pensando especificamente em alunos do Ensino Médio, o docente pode criar uma atividade que simula um espaço de reivindicação da sociedade civil e, ao mesmo tempo, estimula os estudantes a olharem e reconhecerem o meio em que estão inseridos. A dinâmica seria realizada em duas aulas.
Ao final da exibição, discuta com os alunos temas que são identificados no filme, como os problemas ambientais causados pelo descarte irregular de lixo e a falta de saneamento básico em determinadas áreas da cidade. Em seguida, divida a sala em dois grupos: um deles sendo de representantes de bairro, e o outro de gestores e políticos que cuidam da cidade. O primeiro grupo deve identificar problemas semelhantes na área em que moram e levarem suas reivindicações de melhorias para o segundo grupo, que deverá propor soluções adequadas. O docente, nesse caso, atua como o mediador.
Como os alunos precisam de um tempo de preparação, o ideal é que essa atividade aconteça com ao menos uma semana de diferença entre a proposta e o debate de fato.
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A apresentação de seminários pelos alunos também é uma forma de se trabalhar o curta em sala de aula. Depois de assistirem juntos ao filme, crie um espaço de discussão sobre temáticas identificadas na produção e que esteja de acordo com a disciplina ministrada. No caso da geografia, temos pobreza, desigualdades sociais, descarte irregular de lixo, relação entre consumo e desperdício, reciclagem, problemas ambientais, e outros. A partir disso, proponha a formação de grupos e faça a distribuição de temas para que cada um prepare apresentações com duração média que pode variar de 5 a 10 minutos, a depender do tamanho da turma. Incentive o uso de diferentes tipos de recursos visuais para deixar a atividade mais dinâmica.
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Realize uma atividade prática sobre a coleta seletiva e a reciclagem de materiais sólidos. O filme, nesse caso, seria importante para a introdução do tema, tendo como foco as discussões sobre o consumo e o descarte de lixo. Utilize caixas com as cores da coleta seletiva e cards que representem diferentes tipos de materiais conhecidos pelos alunos (garrafas de plástico, sacolas, objetos de papelão, latas de refrigerante, copos de vidro, etc.) e peça para que eles depositem os cards na caixa correspondente. Reforce a importância da prática da coleta seletiva para a manutenção da limpeza urbana, para a sua própria qualidade de vida e para o meio ambiente.
Caso haja alguma cooperativa de reciclagem ou associação de catadores em sua cidade, proponha à escola a realização de um trabalho de campo com os alunos como a segunda etapa dessa atividade, ampliando sua visão acerca da organização do lixo em sua cidade.
Quais conteúdos podem ser trabalhados a partir de Ilha das Flores?
Ilha das Flores choca a audiência enquanto deixa aberto um convite à reflexão acerca de um amplo conjunto de temas relacionados com as desigualdades socioeconômicas e o sistema capitalista vigente. As críticas e situações elencadas por Jorge Furtado são apresentadas de tal forma que o filme pode ser utilizado como um recurso multidisciplinar e abordar conteúdos de diferentes áreas do conhecimento, desde a geografia e a sociologia até a língua portuguesa e a literatura.
Pensando na geografia, os conteúdos que podem ser trabalhados são os seguintes:
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desigualdades socioeconômicas e espaciais;
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extrema pobreza e insegurança alimentar;
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padrões de consumo da sociedade capitalista;
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exclusão social e direito à cidade;
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produção e distribuição de riquezas no sistema capitalista;
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problemas ambientais causados pelo descarte irregular de lixo;
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desenvolvimento sustentável e sustentabilidade.
Documentários para a disciplina de geografia
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Estamira (2004): o documentário de 2004 do diretor Marcos Prado retrata a vida de Estamira Gomes de Sousa, uma moradora do aterro sanitário localizado no bairro Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, que trabalha no lixo há mais de duas décadas e convive com distúrbios mentais. Ao longo do longa-metragem, Estamira faz reflexões acerca do ambiente em que vive, do consumo nas cidades, das desigualdades sociais e de outros temas importantes que podem ser trabalhados em sala de aula.
Onde assistir: Globoplay e Prime Video (Telecine).
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Do bagaço à liberdade (2009): documentário produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos que denuncia as condições de trabalho de cortadores de cana-de-açúcar em lavouras da Zona da Mata, na região Nordeste do Brasil. Temas como a estrutura fundiária brasileira, as desigualdades sociais no campo, as lutas camponesas e a exploração da mão de obra podem ser abordados a partir dessa produção.
Onde assistir: canal do YouTube da CPT ou da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
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O Lixo Nosso de Cada Dia (2020): aproximando-se do tema do curta Ilha das Flores, esse documentário dirigido por Fernanda Barban aborda a problemática da produção e da destinação do lixo a partir do acompanhamento da organização do lixo na cidade de Rio Preto (SP). A sustentabilidade ambiental, os caminhos do lixo, a coleta seletiva, a reciclagem, a lógica de produção industrial e o consumo são temas a serem trabalhados a partir desse documentário.
Onde assistir: canal do YouTube da Casa Rosa Filmes.
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Arquitetura da Exclusão (2010): esse documentário dirigido por Daniel Lima retrata a exclusão socioespacial nas grandes cidades a partir do Morro Santa Marta, comunidade no Rio de Janeiro que foi a primeira favela a ser cercada por muros. A partir dessa produção é possível discutir temas como o direito à cidade, a exclusão socioespacial, a vulnerabilidade social, o papel do Estado na viabilização do espaço urbano, a segurança pública e a favelização das grandes cidades.
Onde assistir: canal do YouTube do diretor Daniel Lima.
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Entre Rios (2009): o documentário Entre Rios retrata a história da cidade de São Paulo (SP) a partir das transformações em seus principais cursos d’água, como os rios Tietê e Pinheiros. A produção foi o trabalho de conclusão de curso dos estudantes Caio Silva Ferraz, Luana de Abreu e Joana Scarpelini, e pode ser uma ferramenta para trabalhar temas como a expansão das cidades, a urbanização do Brasil, as consequências da ampliação das áreas urbanas para os corpos hídricos, a poluição das águas e os impactos da canalização de rios no espaço urbano, ressaltando as enchentes e inundações.
Onde assistir: canal do YouTube do Projeto Volume Vivo.
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O Dilema das Redes (2020): as redes sociais são parte do cotidiano de praticamente todos os jovens, que passam horas na frente do celular assistindo a vídeos curtos, jogando e conversando com pessoas de todo o mundo. O longa O Dilema das Redes retrata os impactos dos algoritmos presentes nas redes na vida cotidiana, moldando a maneira como nos comportamos e nossos gostos pessoais. Ele auxilia a trabalhar temas como a modernização tecnológica dos meios de comunicação, a globalização, a sociedade em rede e as formas de consumo.
Onde assistir: Netflix.
Notas
|1| G1 RS; RBS TV. 'Ilha das Flores' é eleito melhor curta-metragem brasileiro da história. G1, 06 mai. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2019/05/06/ilha-das-flores-e-eleito-melhor-curta-metragem-brasileiro-da-historia.ghtml.
Fontes:
G1 RS; RBS TV. 'Ilha das Flores' é eleito melhor curta-metragem brasileiro da história. G1, 06 mai. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2019/05/06/ilha-das-flores-e-eleito-melhor-curta-metragem-brasileiro-da-historia.ghtml.
LAB J. Ilha das Flores: depois que a sessão acabou. YouTube, 2011. Disponível em: https://youtu.be/Ch-LIsnG9Wc.
REDAÇÃO. Direto do RS: Cenário é de calamidade na Ilha das Flores, em Porto Alegre. UOL Notícias, 20 mai. 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/20/direto-do-rs-cenario-e-de-calamidade-na-ilha-das-flores-em-porto-alegre.htm.
REDEL, Carlos. Depois de 35 anos, "Ilha das Flores" permanece atual, mas segue gerando controvérsia entre moradores do Arquipélago. Jornal Zero Hora, 12 jul. 2024. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/cinema/noticia/2024/07/depois-de-35-anos-ilha-das-flores-permanece-atual-mas-segue-gerando-controversia-entre-moradores-do-arquipelago-clyf4od3e00mc0161amf3023d.html.