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O ensino de história indígena nas aulas de História sempre foi uma temática recorrente, mas a forma de abordagem do tema por professores de História é uma problemática reforçada pela incipiente pesquisa historiográfica indígena, fato observado também na maioria dos livros didáticos de História.
Segundo Almeida (2003: 27), “as relações de contato entre os índios e a sociedade ocidental eram vistas como simples relações de dominação, impostas aos índios de tal forma que não lhes restava margem de manobra alguma a não ser a submissão, passiva a um processo de perdas culturais progressivas que os levaria à descaracterização e à extinção étnica”. Herdeiros dessa historiografia tradicional, livros didáticos e professores geralmente abordam a temática indígena em três momentos da História do Brasil: 1º) os primeiros contatos entre indígenas e europeus (século XVI), 2º) As consequências desses contatos: extermínio, conflitos, submissão, escravidão indígena; 3º) o estudo sobre os bandeirantes: escravidão indígena, catequização jesuítica e os aldeamentos.
Segundo Almeida (2003:27), “nesta perspectiva, os índios do Brasil integrados à colonização, quer na condição de escravos ou de aldeados, diluíam-se nas categorias genéricas de escravos ou despossuídos da colônia. Assim, os tamoios, os aimorés, os goiatacases, eram índios bravos mas perderam a guerra, foram absorvidos pelo sistema colonial como vítimas indefesas, aculturaram-se, deixaram de ser índios e saíram da história”.
A ênfase nesse modelo de abordagem nas aulas de História acabou criando, ideologicamente, a figura caricaturizada do indígena no universo cultural da sociedade brasileira. Criou-se a visão do indígena submisso à exploração europeia e bandeirante; ou a ideia de que a partir dos primeiros contatos entre índios e não índios, os povos indígenas foram aculturados pela cultura ocidental deixando de ser indígenas. Além disso, se o índio utiliza celular, energia elétrica, veste as roupas dos não índios, para alguns ele não é mais considerado indígena. Além de tudo, ainda temos de ressaltar a ideia difundida de que os povos indígenas são preguiçosos.
A partir do momento em que as pesquisas historiográficas ressaltaram a importância de revalorizar e reinterpretar o conceito de cultura pela aproximação da História com a Antropologia, uma ressignificação da história indígena brasileira começou a ser construída. Mas como o conceito de cultura foi reinterpretado? Segundo Napolitano (2009:76), devemos superar as abordagens tradicionais do conceito de cultura que compreende a cultura como “instância isolada” e como “reflexo” de outras instâncias sociais.
Para tanto, Napolitano (2009:76) nos remete a três perspectivas de abordagem do conceito de cultura para um novo ensino de história indígena:
1ª) cultura é uma dimensão da vida social que se constitui como experiência coletiva, não determina e não é determinada pela política, pelo social e pela economia, o que existe entre essas diferentes instâncias da vida social são mediações complexas;
2ª) a cultura não é estática, ela é constantemente transformada e ressignificada; envolve produção, circulação e apropriação de sentidos, significações e valores éticos e morais que permeiam a vida em sociedade;
3ª) a cultura envolve sujeitos, objetos, instituições no decorrer da história (decorrer do tempo). Esses podem ser lembrados e monumentalizados, tornando-se “herança”; ou esquecidos, tornando-se resíduos.
A partir dessa ampliação e esclarecimento sobre o conceito de cultura, o professor de História deve perceber que a cultura não é rígida, estática, pronta e acabada, mas que ela está em constante transformação. Isso permitirá outra compreensão das relações de contato entre índios e europeus.
Tal perspectiva tem revelado, a partir da interpretação das fontes históricas sobre as relações entre índios e não índios no período colonial, segundo Almeida (2003:28), que os povos indígenas tiveram uma eficaz capacidade de reformular “suas culturas, mitos e compreensões do mundo para dar conta de pensar e interpretar coletivamente a nova realidade que lhes é apresentada”.
As relações entre indígenas e europeus no período colonial não pode ser vista somente a partir da compreensão de que os índios foram submissos aos europeus, realizando tudo o que lhes era imposto. Muitas etnias indígenas utilizaram o contato com os europeus, planejando alianças no intuito de aventar a possiblidade de derrotar outra etnia indígena inimiga, com a qual viviam em guerra. Portanto, o indígena não era somente subordinado ou incapaz.
Novas formas de abordar a temática indígena nas aulas de História têm possibilitado a reinterpretação e revalorização da história indígena brasileira. Para isso, no entanto, é necessário que o professor de História integre-se a essas novas perspectivas.
Por Leandro Carvalho
Mestre em História