PUBLICIDADE
Enquanto matéria importante na formação da capacidade crítica, a História deve ser regularmente articulada com as questões do presente. Mediante tal interesse, o passado perde aquela aparente e equivocada aura de coisa sem vida para então despertar os alunos para sua função no cotidiano. Sob tal aspecto, a atenção e a busca do professor por materiais que possam empreender esse diálogo é de suma importância para que os alunos tenham a oportunidade de ver tal elemento na matéria que estudam.
Tendo como tema a questão da terra, acreditamos que o professor possa iniciar uma aula dessas questionando a turma sobre a importância que a terra possui. Abrindo espaço para o comentário dos alunos, destaque aquelas falas em que alguns dos integrantes da turma façam menção à importância que o espaço agrícola possui na produção dos alimentos que ocupam nossa mesa diariamente. Localizaríamos aí, o uso mais importante e fundamental desse tipo de bem.
Colocada essa primeira consideração, poderíamos então questionar se as terras empregadas para a agricultura alimentam hoje satisfatoriamente toda a população mundial. Algum aluno provavelmente poderá salientar que várias pessoas no mundo vivem em condição de miséria ou que a fome se apresenta como um grave problema em diferentes países. Dada essa outra informação, cabe questionar: como isso acontece em uma época em que as lavouras batem recordes?
Mediante essa nova questão, é possível mostrar aos alunos, por meio de notícias ligadas ao assunto, que muitas propriedades agrícolas se dedicam à atividades desvinculadas dessa função essencial que a terra possui. Em muitos casos, vemos milhares de hectares de terra sendo utilizados para a produção de matéria-prima ligada a outras demandas que não se filiam à alimentação. Em alguns casos, propriedades inteiras se dedicam a produção de alimentos não consumidos em seu país de origem.
Organizadas essas primeiras considerações, podemos dar continuidade a essa discussão sobre o uso da terra realizando a leitura em grupo da poesia “As mudas romperam o silêncio”, composta por integrantes do grupo Via Campesina.
As mudas romperam o silêncio
Havia um silêncio sepulcral
sobre dezoito mil hectares roubados dos
povos tupi-guarani
sobre dez mil famílias quilombolas
expulsas de seus territórios
sobre milhões de litros de herbicidas
derramados nas plantações
Havia um silêncio promíscuo
sobre o cloro utilizado no
branqueamento do papel
a produzir toxinas que agridem plantas,
bichos e gentes
sobre o desaparecimento de mais de
quatrocentas espécies de aves e quarenta
de mamíferos
do norte do Espírito Santo
Havia um silêncio intransponível
sobre a natureza de uma planta que
consome trinta litros de água-dia
e não dá flores nem sementes
sobre uma plantação que produzia
bilhões e mais bilhões de dólares para
meia dúzia de senhores
[...]
Por fim havia um imenso deserto verde
em concerto com o silêncio.
[…]
(Fonte: Via Campesina. O latifúndio dos eucaliptos. Rio Grande do Sul: Pontocom, 2006. p. 5.)
Feita a leitura desse material, o professor tem condições amplas de discutir sobre o cenário descrito e explorado na obra. Entre outras coisas, cabe aqui discutir sobre o movimento que publicou a poesia, principalmente no que se refere às suas perspectivas e ideais relacionados ao uso da terra. Por meio dessa consideração, é possível entender várias das opiniões a serem consideradas por meio de uma nova leitura do poema entre os alunos.
Nesse aspecto, o professor pode frisar que a obra salienta que as terras problematizadas no poema são localizadas e dadas como expropriadas de outros povos que a possuíram anteriormente. Além disso, vale frisar que o uso dessas terras se dedica à plantação de eucalipto, planta largamente utilizada para a produção de papel. Sob esse aspecto, vemos que o poema retoma as primeiras discussões feitas e amplia a mesma ao falar do uso de agrotóxicos na produção desse tipo de lavoura.
Por meio dessas e outras possíveis interpretações, podemos fechar essa aula destacando que o fim social da terra, ou seja, a função primordial que a mesma tem em fornecer alimento, muitas vezes é anulada por interesses econômicos que privilegiam uma minoria e, ao mesmo tempo, provoca a privação de milhares de pessoas. Desse modo, os alunos têm a oportunidade de repensar e discutir diversos outros temas como a educação ambiental ou a questão agrária no Brasil.
Por Rainer Sousa
Mestre em História
Equipe Brasil Escola