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A visão dicotômica da História, apesar de suas facilidades didáticas, muitas vezes não consome de forma definitiva todo o amplo espectro de questões que marcam um determinado período. Ao estudar a crise do populismo no Brasil, especificamente no governo de João Goulart, vemos que essa perspectiva dicotômica muitas vezes encobre a dinâmica de tensões e interesses que se apresentaram no período. No entanto, como alunos e professores incorrem nesse tipo de equívoco?
De fato, o governo João Goulart foi marcado por tensões e instabilidades em grande parte vinculadas à possibilidade de instalação de um golpe militar no Brasil. Enquanto alas conservadoras das elites e classes médias abraçavam a intervenção política das Forças Armadas, movimentos sociais populares e figuras ligadas aos partidos de esquerda empreendiam uma luta contra o “imperialismo” e outras mazelas socioeconômicas que afligiam o país.
Deslocando-nos para o início da década de 1960, observamos que diversos representantes políticos e militares tentaram tomar o governo. Contudo, sem o apoio necessário, acabaram limitando as ações do presidente João Goulart ao estabelecer um governo parlamentarista que reduzisse as funções desempenhadas pelo Poder Executivo. Com isso, entre 1961 e 1963, o presidente teve suas funções limitadas pelo novo regime imposto pelo Congresso Nacional.
O desprestígio de João Goulart era fruto de sua trajetória ligada à figura populista de Getúlio Vargas, ao apoio maciço de setores sindicais e aos diálogos empreendidos com governos socialistas. Mediante tais características, setores do grande empresariado e da hierarquia militar observavam em Jango uma incógnita política que poderia muito bem realizar uma revolução como a que tomou de assalto a ilha cubana, no ano de 1969. Com isso, temos demarcada a imagem política do presidente em questão.
Contudo, esse tipo de explicação não permite aos alunos e professores simplificar João Goulart à figura de um “herói perseguido” que buscava dar início às mudanças que poderiam transfigurar a condição das classes trabalhadoras no país. Para salientar isso, o mestre pode mostrar várias opiniões sobre o Plano Trienal, primeiro conjunto de reformas econômicas arquitetado por Celso Furtado, Ministro extraordinário para assuntos de desenvolvimento econômico.
Membros ligados ao Partido Comunista Brasileiro, por exemplo, afirmaram que "o governo continua na sua política de conciliar com os inimigos da nação". Os sindicalistas da Central Geral dos Trabalhadores taxaram o plano como sendo de "caráter reacionário". Por sua vez, Francisco Julião, importante líder das Ligas Camponesas, interpretou-o como "antipopular, antinacional e pró-imperialista". Dessa forma, podemos ver o repúdio expresso que as esquerdas tiveram da medida tomada por Jango.
Caso queira demonstrar com mais clareza essa perspectiva que coloca as esquerdas políticas contra o presidente, o professor pode finalizar essa discussão repassando à turma a declaração de Vinicius Brant, presidente da UNE, que afirmou:
"O Plano não se volta contra o latifúndio nem contra o imperialismo; ao contrário, serve aos interesses dos monopólios estrangeiros, e por isso conta com o apoio das autoridades e da imprensa norte-americana".
Dessa forma, o professor mostra à turma que a figura política era totalmente repudiada pelos políticos mais conservadores e, por sua vez, incondicionalmente admirada pelos demais movimentos de oposição política do país. Mais do que isso, é importante enfatizar a todos os alunos que os interesses e ações políticas que marcam a década de 1960 não podem estar resumidos a uma visão maniqueísta sobre tal governo.
Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola