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O samba e a questão do trabalho

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Por meio das letras de Wilson Batista, vemos as mudanças ocorridas no universo temático do samba.

No período do carnaval, período em que milhares de pessoas assistem a transmissão do desfile das escolas de samba, temos uma forte evidência de que este espetáculo cênico e musical ocupa posição privilegiada em nossa cultura. A suntuosidade dos carros alegóricos, a mobilização de várias pessoas em torno da festa e o destaque dos meios de comunicação reforça a idéia de que o espetáculo carnavalesco oferece uma imagem do Brasil e do brasileiro às outras nações do mundo.

Dando especial atenção às canções que embalam as escolas de samba, podemos também notar a presença sempre constante de temas históricos relacionados ao passado da nação brasileira. Em certo sentido, o carnaval se apresenta vinculado a uma política de divulgação das tradições de nossa cultura e outros eventos que definem a nossa identidade. Contudo, a preferência por temas que falam sobre nosso passado nem sempre andou de mãos dadas com o samba.

Antes de se tornar uma atração turística de porte internacional promovida pelos órgãos públicos e de comunicação, o samba era marcado por certa dose de marginalidade que andava na contramão dos ideais defendidos pelo governo brasileiro. Deslocando-nos especificamente para a década de 1930, notamos a composição de vários sambas que em nada agradavam as políticas de incentivo ao trabalho e ao corporativismo ditadas pelo governo do presidente Getúlio Vargas.

Para demonstrar essa questão aos alunos, o professor pode consultar algumas das composições do sambista Wilson Batista que salientam uma alusão visivelmente afastada do mundo do trabalho. Como sugestão, indicamos o trabalho com interessantes trechos das canções “Nasci Cansado” e “Lenço no Pescoço”, de 1930 e 1933, respectivamente:


Nasci Cansado                                                            Lenço no pescoço

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”Meu pai trabalhou muito                                               ”Sei que eles falam
Que já nas nasci cansado                                                Deste meu proceder
Ai patrão                                                                     Eu vejo quem trabalha
Sou um homem liquidado                                              Andar no miserê
No meu barraco chove                                                 Eu sou vadio
Meu terno está furado                                               Porque tive inclinação"
Ai patrão Trabalhar, não quero mais.”


Trabalhando a interpretação destas duas letras, o professor pode demonstrar como as composições deste sambista estavam alheias às políticas de incentivo ao trabalhismo propagado pelo regime varguista. Paralelamente, não percebemos o interesse em se inserir temas de viés didático, cívico e histórico nestas mesmas canções. De fato, o samba não se alinhava aos interesses estatais sendo, hoje, utilizado como instrumento de reforço ao patriotismo ou elogio de nossa história.

Caso queira se aprofundar ainda mais nesta questão, o professor pode estabelecer uma relação histórica anterior demonstrando que essa aversão ao trabalho tem íntima relação com o processo de ocupação das populações de ex-escravos que passaram a habitar o Rio de Janeiro a partir do século XIX. Tendo elo com gerações de escravos que viam no trabalho o ponto fundamental de sua própria exploração, muitos sambistas negam a retratar de maneira elogiosa o mundo em que vivem.

Com isso, o professor demonstra que as composições de samba possuem uma historicidade própria que em nada tem a ver com a repetição de velhas fórmulas. Sendo impregnada pelo seu tempo, tais letras mostram a capacidade crítica tecida por artistas que utilizavam de sua obra como um meio de se questionar aquilo que era vigente. Com certeza, desvendamos em sala uma faceta do passado muitas vezes inconcebível aos olhos e ouvidos de nossos alunos.


Por Rainer Sousa
Graduado em História
Equipe Brasil Escola