Em disciplinas que abordam, em maior ou menor grau, conceitos e temas referentes à política, à economia e, sobretudo, à sociedade, uma polêmica parece estar sempre em evidência: o caráter ideológico das aulas no que se refere à condução destas pelo professor. Essa questão está sempre presente na Sociologia, na Filosofia e na História. A Geografia, por sua vez, não fica atrás, sobretudo em sua atual tendência, que, desde as décadas de 1970 e 1980, pauta-se em estudos na corrente de pensamento intitulada “Geografia Crítica”.
A mencionada corrente do pensamento geográfico, a Geografia Crítica, apresenta uma filiação marxista – embora nem todos os marxistas concordem com essa afirmação –, recebendo também influências de autores como Antônio Gramsci, Louis Althusser e, em maior grau, Henri Lefebvre. Apesar da emergência, nos anos 1990, da Geografia Humanista, ainda hoje a corrente crítica é considerada por muitos autores como a predominante no contexto epistemológico dessa ciência.
Tal predominância acaba, de certa forma, refletindo-se nas práticas de ensino, fato que se intensifica com a produção de muitos autores no ramo da educação, didática e pedagogia que também defendem a importância da educação como uma prática de reflexão crítica da realidade. Por outro lado, existem aqueles que ora discordam do conteúdo dessas críticas, ora discordam do fato de elas existirem, defendendo uma maior imparcialidade ou, em seus dizeres, o fim da “doutrinação ideológica” em sala de aula.
Diante desse embate, eis a grande questão: e o professor de Geografia em sala de aula, como fica? Como devemos, enquanto professores, proceder em temas polêmicos durante o ensino? Será possível manter a imparcialidade ou a tão falada neutralidade axiológica¹?
Os críticos da chamada “doutrinação ideológica” (o uso das aspas se dá porque esse termo não é um consenso, mas uma acusação) afirmam que a função do ensino de Geografia deveria ser o de posicionar o estudante diante dos conhecimentos. Sendo assim, o estudante é quem deveria fazer o seu próprio julgamento sobre as coisas, de forma desimpedida, sendo vedado ao professor guiar ou gerar uma tendência para que o aluno escolha um lado ou outro da questão.
Por outro lado, podemos dizer que os “contracríticos”, ou aqueles que se posicionam de forma cética a tais colocações, acreditam que agir de forma “imparcial”, além de ser impossível, seria errôneo no sentido de esvaziar o conteúdo político das aulas. A impossibilidade seria, em um exemplo prático, dizer que o Brasil foi “descoberto” ou “colonizado” ou até mesmo “invadido” por povos europeus. Qual dos três termos é o certo? Qual é o errado?
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Qualquer termo que o professor utilizasse, nesse caso, faria com que o seu ensino fosse ideológico e aparentemente de doutrinação de seus alunos.
Diante desse debate, há muitos professores de Geografia que, não por acaso, encontram dificuldades em se posicionar perante temas naturalmente polêmicos, tais como a Reforma Agrária, os conflitos no campo, a segregação urbana e muitos outros. Afinal, como o professor deverá passar esses temas aos alunos?
A doutrinação explícita, ou seja, aquela que toma apenas uma visão da realidade de forma exagerada – “reforma agrária é bom”, “reforma agrária é ruim”, ou algo do tipo –, deve, sem dúvidas, ser evitada. Mas também é errado colocar o conceito “seco” do termo sem uma reflexão sobre ele. Talvez, para o professor, o melhor seja apresentar para os alunos todos os lados da questão, sejam eles quantos forem.
Por exemplo: em uma aula sobre a já aqui citada Reforma Agrária, o professor apresentaria o seu significado, quem são os que defendem e por que defendem, bem como os que são contrários e os seus diferentes motivos, e também aqueles que estão em um “meio-termo” ou em posições intermediárias. Trata-se de um procedimento complicado que poderá envolver muita leitura e muito debate entre o professor e os seus alunos, mas que, no final, poderá até ser pedagógico, pois expressará a aplicação de um conceito em um debate específico.
A grande questão é: se não for possível a neutralidade, também não é possível abandoná-la totalmente. Também é perigoso abandonar todo o conteúdo político das aulas, pois cidadãos educados sem senso crítico e sem capacidade de se orientar diante das diferentes críticas da realidade são fadados a seguir convicções que não contemplam os seus interesses.
Aparentemente, esse debate acalorado permanecerá por muito tempo. Enquanto isso, o professor deverá buscar ao máximo o equilíbrio entre as diferentes formas de proceder com o ato de ensino-aprendizagem dentro e fora da sala de aula.
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¹ Neutralidade axiológica é um conceito que foi muito utilizado por Max Weber e que, de forma resumida, referia-se à necessidade do pesquisador em manter seus estudos científicos afastados de convicções pessoais e de “juízos de valores”.
Por Me. Rodolfo Alves Pena