Professores de uma forma geral, sobretudo, os de língua portuguesa, compartilham um entrave, entre tantos outros, mediante o trabalho que desenvolvem em sala de aula: fazer com que os alunos leiam e interpretem, de forma significativa e plausível, aquilo com que acabaram de estabelecer familiaridade. Não raras as vezes, um texto, por mais rico e profundo que ele seja, não passa para muitos de um mero emaranhado de palavras, talvez soltas e desconexas, sem valor algum.
Ler nas entrelinhas? Ah! Seria onírico demais para a concretização da tão sonhada expectativa. A realidade, pois, a que muitos profissionais estão acostumados a enfrentar se resume nessa questão lastimável sobre o qual acabamos de falar, ainda urge cada vez mais a necessidade de esta situação ser mudada, transformada.
Assim, quem entra em cena? O professor, por excelência, ao menos para conferir um pouco mais do senso argumentativo de seus alunos, ao menos para avaliar se possuem condições de discorrer acerca de um determinado assunto. Pois bem, apresentamos, por meio do artigo em questão, um poema cuja autoria é de Thiago de Mello, no qual, além da oportunidade de explorar questões subjetivas, o educador terá a chance também de trabalhar valores humanos. Assim, segue-o abaixo, acompanhado das respectivas questões que a ele podem ser atribuídas, atuando, obviamente, como proposta sugestiva:
Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.
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Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
(Thiago de Mello. Os estatutos do homem. São Paulo, Vergara & Riba, 2001.)
A - Leis, como nós as conhecemos, são aquelas que regulam os direitos e obrigações dos indivíduos. Em sua opinião, como seria o mundo se essas leis expressas no poema fossem realmente cumpridas?
B - Os versos presentes no artigo X nos chamam a atenção para um grande problema que aflige a sociedade: a violência. Assim, considerando que “uso do traje branco” representa, sobretudo, o culto pela paz, por que você acha que ela está sendo tão difícil de ser conquistada nos dias atuais?
C - “Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal”.
Esses versos nos fazem lembrar a ganância, o consumismo exagerado que toma conta da vida de muitas pessoas. Assim, enquanto tantos possuem muito, outros têm muito pouco ou quase nada. Qual a sua opinião sobre a desigualdade social?
D - Considerando que tenha prestado bastante atenção ao que o poeta quis nos dizer, você, assim como ele, gostaria que essas leis fossem realmente cumpridas? Por quê?
Por Vânia Duarte
Graduada em Letras