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A Copa do Mundo como ferramenta para o ensino de História

Nesta dica de aula falaremos sobre os tipos de abordagem que podem ser realizados em sala de aula a partir da contextualização das Copas do Mundo com eventos históricos.
Contextualização da Copa do Mundo pode ser utilizada em sala de aula no ensino de História
Contextualização da Copa do Mundo pode ser utilizada em sala de aula no ensino de História
Crédito: Shutterstock
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A Copa do Mundo de futebol é um dos maiores eventos esportivos, já que o mundo praticamente para a cada quatro anos para acompanhar os 64 jogos (modelo atual) disputados geralmente durante um mês. Essa competição aconteceu pela primeira vez em 1930 e seu surgimento foi uma conquista após anos de esforços da Federação Internacional de Futebol, presidida à época por Jules Rimet.

O futebol é o esporte mais popular do planeta e, como tal, é influenciado pelas dinâmicas sociopolíticas e socioeconômicas. A competição mais importante do mundo não escapa à essa regra e foi influenciada pelo contexto histórico por diversas vezes.

À medida que o futebol foi ganhando importância política e financeira, reflexos disso foram perceptíveis na Copa. Essa questão explica, por exemplo, os esforços contínuos da Fifa para aumentar o número de seleções participantes: 13, depois 16, 24, 32 e, a partir de 2026, 48 seleções. Mais equipes representam mais dinheiro e aumentam o poder político da Federação.

Em virtude da grande relevância do futebol no Brasil, o esporte é uma ponte importante para se fazer paralelos com assuntos relacionados à História, seja do Brasil, seja do que é convencionado como História Geral. Faremos aqui uma breve análise do contexto de algumas edições de Copa do Mundo. Essa análise pode ser levada para sala de aula e, se possível, deve ser expandida de acordo com o planejamento de abordagem de cada professor.

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Copa de 1930

A criação de uma competição internacional de futebol era parte do planejamento da Fifa desde a sua fundação, em 1904. Ao longo das décadas de 1900 e 1910, foram realizadas negociações – sem sucesso – para que esse evento fosse organizado. Somente com Jules Rimet na presidência é que isso foi possível, sobretudo por causa do sucesso do torneio futebolístico nos Jogos Olímpicos de 1924 e 1928.

A realização da Copa do Mundo de 1930 teve sua organização bastante prejudicada como parte dos efeitos da Crise de 1929. Abaladas economicamente, algumas nações europeias – mesmo com o Uruguai se oferecendo para bancar as despesas – desistiram de integrar o Mundial. Com isso, apenas quatro nações da Europa participaram: França, Iugoslávia, Romênia e Bélgica.

O historiador Hilário Franco Júnior destaca que a Copa de 1930 apenas reforçou a rivalidade entre argentinos e uruguaios com bases que envolviam a história dos dois países |1|. Já existia um histórico de confrontos futebolísticos entre as duas nações, que disputaram a final do torneio de futebol nas Olimpíadas de 1928. É importante destacar dois eventos importantes na história dos dois países:

  • Guerra da Cisplatina – O conflito foi travado entre Brasil e Províncias Unidas do Rio da Prata (que se tornou Argentina) em disputa pela Cisplatina. O fim dessa guerra em 1828 determinou o surgimento da República Oriental do Uruguai.

  • Guerra Civil Uruguaia – Durante o século XIX, havia uma grande rivalidade entre dois partidos políticos no Uruguai: blancos e colorados. Esse conflito repercutiu na geopolítica da América do Sul, gerando uma guerra na qual os argentinos tomaram partido de um lado (dos colorados).

A rivalidade existente entre argentinos e uruguaios era tamanha que, após o jogo, o consulado uruguaio em Buenos Aires foi apedrejado por torcedores argentinos inconformados com a derrota.

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Copa de 1934 e 1938

A Copa do Mundo de 1934 foi sediada na Itália, na época liderada por Benito Mussolini. Assim, a Copa tornou-se instrumento político para propagandear o regime fascista italiano:

Entendendo os dividendos políticos que sediar uma Copa do Mundo poderia render, Mussolini empenhou-se no projeto. E várias atitudes foram tomadas para ganhá-la. Novas leis facilitaram a naturalização de descendentes de italianos nascidos em outros países, caso do argentino Luis Monti (vice-campeão em 1930) […]. Para comandar a equipe foi escolhido Vittorio Pozzo, ex-tenente dos Alpini, a tropa italiana de montanha na Primeira Guerra Mundial. Para mostrar a força do país e do regime, estádios foram construídos ou ampliados em Bolonha, Florença, Gênova, Milão, Nápoles Roma, Trieste e Turim. Como não podia deixar de ser, toda a Copa transcorreu em clima fortemente politizado |2|.

Com base nessa citação, podemos perceber o uso da Copa do Mundo e do futebol como propaganda política para ressaltar as qualidades do regime fascista. Isso aconteceu não somente na Itália tampouco exclusivamente com a Copa do Mundo. Os alemães, que sediaram as Olimpíadas em 1936, também utilizaram o evento como propaganda política do regime nazista.

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As questões políticas também foram transmitidas para a Copa do Mundo de 1938, organizada na França, principalmente porque, a partir de uma visão retrospectiva, a Europa estava a um ano da Segunda Guerra Mundial – motivo pelo qual a tensão política nessa Copa era latente. A seleção alemã contava com jogadores austríacos no elenco – fruto da anexação da Áustria –, e a Itália novamente utilizava o desempenho de sua seleção na competição como propaganda política. Para a alegria de Mussolini, a Itália venceu as duas Copas.

O Brasil e as Copas do Mundo

A instrumentalização política da Copa do Mundo também foi uma prática realizada no Brasil. As Copas de 1962, 1970 e 1978 podem ser utilizadas como exemplo. Em 1962, o país vivia um período político e econômico bastante conturbado. A radicalização política dividia a nação, e os grupos conservadores aumentavam seu tom contra o governo de João Goulart.

A tensão política era fruto da divisão ideológica do Brasil e manifestava o temor de determinados grupos da elite que viam nas reformas propostas por Jango (principalmente a agrária) um risco a seus interesses. Assim, a participação brasileira na Copa de 1962 foi utilizada pelo governo Jango como forma de aplacar a insatisfação com seu governo. Exemplo disso é que, após receber a seleção bicampeã, o presidente decretou feriado nacional no dia seguinte.

Em 1970, o Brasil vivia um dos piores momentos da Ditadura Militar. A repressão do governo de Emílio Médici era intensa, e a realização da Copa de 1970 aproximou novamente futebol e política. Médici exigiu a convocação de Vavá para a equipe que jogaria a competição no México e ouviu uma resposta contundente do técnico da seleção João Saldanha: “O presidente escala o ministério dele, e eu escalo o meu time”. Resultado: Saldanha foi desligado do cargo, e Zagallo assumiu.

O uso político da imagem da Seleção durante essa Copa foi bem resumido por Eduardo Galeano:

Em pleno carnaval da vitória de 70, o general Médici, ditador do Brasil, presenteou com dinheiro os jogadores, posou para os fotógrafos com o troféu nas mãos e até cabeceou uma bola na frente das câmaras. A marcha composta para a seleção, Pra frente Brasil, transformou-se na música oficial do governo, enquanto a imagem de Pelé voando sobre a grama ilustrava, na televisão, anúncios que proclamavam: Ninguém segura o Brasil |3|.

No caso da Copa de 1978, a grande questão estava por trás de um jogador: Reinaldo. O atacante do Atlético-MG vivia uma grande fase, mas para a ditadura brasileira havia um problema: ele era um jogador engajado politicamente e manifestava sua oposição contra o regime abertamente. Mesmo com membros da CBF posicionando-se contra a convocação, ele foi convocado para jogar a Copa de 1978, que ocorreria na Argentina.

A ditadura temia que Reinaldo comemorasse os gols na Copa com o gesto do punho erguido típico dos Panteras Negras. O atacante brasileiro inclusive ouviu de políticos que esquecesse a política e se concentrasse apenas no futebol. Essa polêmica pode ser facilmente utilizada como exemplo para se explorar a questão da censura durante a Ditadura Militar.

A Copa de 1978 também pode ser explorada com base no uso político realizado pelo governo argentino. O país vizinho estava no auge de seu regime militar, e a Copa foi amplamente utilizada como propaganda do governo do general Videla. Galeano traz um relato da época segundo o qual jornalistas alemães afirmavam que o clima instalado na Argentina em 1978 era parecido com o da Alemanha em 1936 |4|.

Como abordar a Copa do Mundo em sala de aula?

Os exemplos acima são apenas algumas das muitas abordagens que podem ser realizadas em sala de aula. Os usos do assunto no ensino de História, naturalmente, ficam a critério de cada professor. Uma sugestão de atividade é a realização de uma pesquisa pelo aluno relacionando uma Copa do Mundo com algum contexto histórico específico, seja do Brasil, seja de outro país. Essa pesquisa pode ser utilizada na elaboração de um texto ou de uma apresentação.

|1| FRANCO JÚNIOR, Hilário. Dando tratos à bola: ensaios sobre futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 21.
|2| Idem, p. 23.
|3| GALEANO, Eduardo. Futebol ao sol e à sombra. Porto Alegre: L&PM, 2013, p.136-137.
|4| Idem, p. 151.


Por Daniel Neves
Graduado em História