Quando o professor de história ministra aulas referentes à ambiência da Segunda Guerra Mundial e ao horror dos genocídios, como o holocausto dos judeus e os gulags soviéticos, depara-se com a dificuldade de fazer com que seus alunos do ensino médio consigam ter uma dimensão razoável da gravidade desses acontecimentos. Além da problematização do contexto da época e da exposição das ideologias racistas, eugenistas, etc., cabe ao professor desenvolver mecanismos didáticos que coloquem os alunos em uma relação de “concretude” com o passado histórico. Uma das soluções possíveis que podem ser adotadas especificamente sobre o tema do holocausto é a exposição da biografia de algumas das pessoas que foram vítimas do III Reich. Neste texto, trazemos um exemplo especial, o de Edith Stein (1891-1942), filósofa judia que se converteu ao catolicismo e morreu no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia.
Edith Stein, apesar de ser judia por nascimento e de ter sido criada na tradição judaica, na época de sua juventude não era praticante dos preceitos religiosos do judaísmo. Desde muito jovem ficou conhecida pela aplicação nos estudos e pelo gosto especial pela filosofia. E foi a carreira filosófica que decidiu seguir, tendo sido discípula de um dos maiores filósofos do século XX, o alemão Edmund Husserl, criador do método fenomenológico. Apesar de sofrer bastante rejeição no meio universitário, na primeira década do século XX, por ser mulher, Edith desenvolveu uma tese de doutorado sobre o conceito de empatia e sua relação com o método fenomenológico de seu mestre. Aos poucos, sua obra filosófica passou a ser reconhecida em todo o continente europeu.
No ano de 1922, ao ler por acaso a obra “O livro da Vida”, da santa mística espanhola do século XVI, Santa Teresa de Ávila, Edith Stein, que até então não tinha interesse religioso e espiritual, sofreu um processo de profundo exame interior e acabou por converter-se ao catolicismo no ano de 1922. A partir de então, Edith Stein passou a incluir em suas reflexões filosóficas o estudo dos santos místicos espanhóis, como Teresa de Ávila e João da Cruz, bem como o estudo da tradição escolástica, notadamente o de Santo Tomás de Aquino. À medida que imergia na tradição católica, a ambiência europeia ia se tornando irrespirável, haja vista a ascensão dos regimes totalitários. Em meio a esse processo, vendo seu povo (judeus) ser perseguido, Edith Stein optou por aprofundar ainda mais sua experiência religiosa e ingressou na ordem dos Carmelitas Descalçados (a mesma dos santos místicos mencionados acima) a fim de ficar reclusa para meditação e depuração espiritual.
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Quando cumpriu seus votos na Congregação das Carmelitas, Edith Stein recebeu um novo nome: Teresa Benedita da Cruz. Quando começou o processo de extermínio em massa dos judeus da Alemanha, os superiores de Teresa Benedita da Cruz enviaram-na para uma sede do carmelo em Echt, Holanda, a fim de protegê-la de uma eventual busca dentro dos conventos. Todavia, em 1942, os nazistas começaram o processo de aprisionamento e extermínio também na Holanda. Os bispos holandeses expuseram a conduta dos oficiais nazistas em uma carta pastoral para todo o mundo católico. Os nazistas, por retaliação, invadiram conventos e demais sedes de organizações católicas da Holanda para conduzir os membros de origem judia para os campos de concentração. Em 2 de agosto de 1942, Teresa Benedita da Cruz foi enviada para Auschwitz, onde foi morta em uma câmara de gás, no dia 9 do mesmo mês.
Edith Stein, então conhecida como irmã Teresa Benedita, foi reconhecida como mártir da Igreja por ter morrido tanto em nome do povo eleito, os judeus, quanto em nome da fé da Igreja Católica. Em 1987, o Papa João Paulo II beatificou Edith Stein, na cidade de Colônia, Alemanha. Na ocasião disse que a religiosa era uma “síntese dramática das feridas do século XX”. Em 11 de outubro de 1998, o mesmo João Paulo II canonizou Edith Stein, convertendo-a assim em Santa Teresa Benedita da Cruz.
Pois bem, toda a trajetória de Edith Stein, nesta narrativa aqui exposta, serve de parâmetro para o professor de história estipular a dimensão que uma biografia, isto é, que a atenção a dados pessoais de um indivíduo que passou por um período histórico delicado, pode ter no processo de entendimento desse mesmo processo histórico. O caso de Edith Stein é um dos mais notórios, mas há outros que podem ser explorados pelo professor, inclusive casos de sobreviventes, como o psicólogo Viktor Frankl e o escritor Primo Levi.
*Créditos da Imagem: IgorGolovniov / Shutterstock.com
Por Me. Cláudio Fernandes