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Música como ferramenta para o ensino da Segunda Guerra Mundial

As músicas podem ser uma ótima ferramenta nas mãos do professor de História, seja para o ensino da Segunda Guerra Mundial, seja de qualquer outro assunto explorado em sala.
A praia de Omaha foi uma das cinco praias em que os Aliados desembarcaram tropas durante o Dia D.
A praia de Omaha foi uma das cinco praias em que os Aliados desembarcaram tropas durante o Dia D.
Crédito: shutterstock
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Como todo professor de História sabe, um dos assuntos que mais repercutem entre os alunos em sala de aula e que mais acumulam entusiastas fora dela são os eventos relacionados à Segunda Guerra Mundial. Conforme já abordamos em outros textos, esse assunto é explorado de diversas maneiras: no cinema, na literatura, em HQs, nos videogames etc.

Algumas formas de se explorar o assunto em sala de aula já foram abordadas aqui no Canal do Educador do Brasil Escola. Caso tenha interesse em abordar as propagandas de guerra produzidas durante a Segunda Guerra Mundial, clique aqui. Se preferir, temos uma sugestão de aula sobre o bombardeio atômico em Hiroshima a partir do mangá Gen Pés Descalços e também temos uma sugestão de cinco filmes sobre o assunto que podem ser recomendados para os alunos.

A proposta deste texto é parecida, mas o enfoque é diferente. A abordagem de hoje será o uso da música em sala de aula como forma de ensino da Segunda Guerra Mundial. O exemplo deste texto será retirado das músicas produzidas pela banda sueca de Power Metal chamada Sabaton. Antes de iniciar, é importante fornecer um pequeno perfil da banda.

Sabaton, conforme já mencionado, é uma banda da Suécia que faz músicas no estilo conhecido como Power Metal (um derivante do Heavy Metal). As letras dessa banda trazem, em geral, personagens marcantes que atuaram destacadamente em guerras, assim como abordam as batalhas em si, seja da Segunda Guerra Mundial, seja de outros conflitos.

Contextualização histórica

É sempre importante realizar uma pequena contextualização histórica para ampliar a compreensão do assunto. A Segunda Guerra Mundial foi fruto do expansionismo alemão pela Europa, que visava à construção do chamado Terceiro Reich à custa da conquista de povos entendidos pelos nazistas como “inferiores”.

Acesse também: Nazismo e O que foi o “espaço vital” nazista?

Assim, entre 1938 e 1939, a Alemanha invadiu e conquistou Áustria e Tchecoslováquia. Depois, houve a invasão da Polônia, o que acabou sendo o estopim para que ingleses e franceses declarassem guerra aos alemães, iniciando esse conflito que se estendeu por seis anos e por quatro continentes, resultando na morte de aproximadamente 60 milhões de pessoas.

As dimensões inacreditáveis que esse conflito tomou, naturalmente, renderam diversas histórias, que foram resgatadas pelo trabalho dos historiadores (e muitas outras ainda estão a ser descobertas) e, como mencionado, servem de inspiração para que filmes, jogos e músicas sejam produzidos.

Sabaton e a Segunda Guerra Mundial

No caso da banda Sabaton, um trabalho mais detalhado sobre as músicas já permite ao professor selecionar alguns exemplos que podem ser trazidos para a sala de aula. Isso, além de ampliar o interesse no assunto, possibilita que o professor faça um trabalho mais expressivo sobre a capacidade dos alunos de reflexão.

É claro que é necessário certo cuidado com os estereótipos que muitas vezes são transmitidos por essas produções. Em alguns casos, todavia, é ate importante que certos estereótipos sejam trazidos e explorados em sala para que uma problematização e uma análise mais detalhada da questão seja feita com os alunos. Isso nos remete ao nosso primeiro exemplo.

  • Primo Victoria

Para acompanhar de maneira apropriada, deixamos aqui em baixo a letra da canção com o original, em inglês, e sua tradução para o português:

Inglês

Português

Through the gates of hell

As we make our way to heaven

Through the nazi lines

Primo victoria

 

We've been training for years

Now we're ready to strike

As the great operation begins

We're the first wave on the shore

We're the first ones to fall

Yet soldiers have fallen before

 

In the dawn they will pay

With their lives as the price

History's written today

In this burning inferno

Know that nothing remains

As our forces advance on the beach

 

Aiming for heaven though serving in hell

Victory is ours their forces will fall

 

Through the gates of hell

As we make our way to heaven

Through the nazi lines

Primo victoria

 

On the 6th of june

On the shores of western europe 1944

D-day upon us

 

We've been here before

Used to this kind of war

Crossfire grind through the sand

Our orders were easy

It's kill or be killed

Blood on both sides will be spilled

 

In the dawn they will pay

With their lives as the price

History's written today

Now that we are at war

With the axis again

This time we know what will come

 

Aiming for heaven though serving in hell

Victory is ours their forces will fall

 

Through the gates of hell

As we make our way to heaven

Through the nazi lines

Primo victoria

 

On the 6th of june

On the shores of western europe 1944

D-day upon us

 

6th of june 1944

Allies are turning the war

Normandy state of anarchy

Overlord

Através dos portões do inferno

Enquanto fazemos nosso caminho para o céu

Através das linhas nazistas

Primeira vitória (termo original em italiano)

 

Nós estamos treinando por anos

Agora estamos prontos para atacar

Enquanto a grande operação começa

Nós somos a primeira tropa a seguir pela praia

Nós somos os primeiros a cair

Mesmo que soldados tenham caído antes

 

No amanhecer eles vão pagar

Com suas vidas como o preço

Hoje a história está sendo escrita

Neste ardente inferno

Sei que nada permanece

Enquanto nossas forças avançam pela praia

 

Buscando o céu ainda que servindo no inferno

A vitória é nossa, as forças deles cairão

 

Através dos portões do inferno

Enquanto fazemos nosso caminho para o céu

Através das linhas nazistas

Primeira vitória

 

No dia 6 de junho

Nas praias da Europa ocidental, 1944

Dia D está sobre nós

 

Nós estivemos aqui antes

Acostumados com este tipo de guerra

Fogo cruzado range através da areia

Nossas ordens eram fáceis

É matar ou ser morto

Sangue será derramado em ambos os lados

 

No amanhecer eles vão pagar

Com suas vidas como o preço

Hoje a história está sendo escrita

Agora que estamos em guerra

Com o Eixo de novo

Desta vez, nós sabemos o que virá

 

Buscando o céu ainda que servindo no inferno

A vitória é nossa, as forças deles cairão

 

Através dos portões do inferno

Enquanto caminhamos para o céu

Através das linhas nazistas

Primeira vitória

 

No dia 6 de junho

Nas praias da Europa ocidental 1944

Dia D sobre nós

 

6 de junho de 1944

Os Aliados estão virando a guerra

Normandia, estado da anarquia

Overlord (nome da operação militar)

A música “Primo Victoria” (Primeira Vitória, em português) faz parte do primeiro álbum da banda (o álbum possui o mesmo nome da canção), que foi lançado em 2005. O álbum em si possui músicas que fazem menção a diferentes conflitos (Segunda Guerra Mundial, Guerra do Vietnã, Guerra do Golfo etc.). A música Primo Victoria é a mais conhecida desse álbum e uma das mais conhecidas da banda.

A música faz menção aos desembarques aliados na Normandia, no dia 6 de junho de 1944, e conhecidos como Dia D. Também chamado de Operação Overlord (nome que é inclusive mencionado na música), o Dia D foi parte de um esforço dos Aliados para ampliar o desgaste sobre a Alemanha nazista criando um novo fronte (os alemães já estavam lutando contra os Aliados no Leste Europeu e na Itália).

A música refere-se à batalha durante o Dia D como “inferno ardente” (burning inferno, no original em inglês), o que corrobora as impressões tidas sobre a guerra em alguns dos cenários, mas não em outros. O historiador Max Hastings, por exemplo, afirma que a batalha na praia de Omaha foi duríssima e com algumas perdas consideráveis para os Aliados. Já a batalha em Utah foi considerada bastante fácil – o que surpreendeu os próprios soldados americanos|1|.

A respeito das diferentes condições encontradas pelos soldados nas diferentes praias em que eles desembarcaram no Dia D, cabe uma reflexão sobre a memória que ficou perpetuada sobre essa ação e de como essa memória muitas vezes não condiz com a forma como os eventos aconteceram.

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Outro ponto importante que pode ser explorado a partir da letra é o trecho “6 de junho de 1944, os Aliados estão virando a guerra” (no original em inglês, 6th june 1944, Allies are turning the war) e aqui cabe um debate bem extenso sobre a importância do Dia D no resultado final da guerra. A versão da história contada pelos americanos, naturalmente, ressalta a mérito do Dia D e coloca-o em uma posição de grande importância para a derrota dos nazistas. Há, no entanto, que ser ressaltado que essa visão é contestada por muitos historiadores e por inúmeras evidências trazidas pelo trabalho realizado por eles. Fazendo uma análise mais detalhada do conflito, podemos perceber que outros momentos foram muito mais cruciais para o desfecho da guerra do que o Dia D, pois esse evento iniciou a reconquista da França e antecipou a derrota alemã, mas, em 1944, os alemães já estavam em uma posição delicada, e isso foi resultado de outros momentos em que haviam sido derrotados, como nas batalhas travadas em Moscou, Stalingrado, Kursk etc.

O ponto crucial para a vitória alemã era uma reconquista rápida da União Soviética, pois o comando nazista sabia que a quantidade de recursos da Alemanha não eram suficientes para tal objetivo. Além disso, se formos considerar o impacto de uma batalha em perdas humanas, os acontecimentos em Stalingrado foram muito mais catastróficos para a Alemanha do que necessariamente na Normandia.

Leia também: Operação Barbarossa

A quantidade de perdas (entre mortos e feridos) de soldados para a Alemanha no Dia D foi de aproximadamente 9 mil soldados; em Stalingrado, foram 800 mil. No caso dos Aliados, as perdas foram de aproximadamente 10 mil soldados durante o Dia D. Em contrapartida, na Batalha de Stalingrado, as perdas humanas para os soviéticos foram de mais de 1 milhão de pessoas. Esses são apenas alguns dados que nos ajudam a dimensionar melhor essa discussão. A ampliação desse debate em sala de aula fica a critério do professor.

  • Smoking Snakes

Como não existe vídeo oficial dessa música produzido pela banda no YouTube, não incorporaremos o vídeo aqui, mas caso queira acessar e ouvir a música, clique aqui.

Segue a letra da canção no original em inglês e sua tradução para o português:

Inglês

Português

We remember, no surrender

Heroes of our century

 

Three men stood strong, and they held out for long

Going into the fight, to their death that awaits

Crazy or brave, will it end in the grave?

As they're giving their lives

As their honor dictates

 

Far, far from home, to a war

Fought on foreign soil and

Far, far from known, tell their tale

Their forgotten story

Cobras fumantes, eterna é sua vitória

 

Rise from the blood of your heroes

You were the ones who refused to surrender

The three rather died than to flee

Know that your memory

Will be sung for a century

 

Three took the blow, while impressing their foe

Throwing dice with their lives

As they're paying the price

Sent to raise hell, hear the toll of the bell

It is calling for you as the Wehrmacht devised

 

Far, far from home, to a war

Fought on foreign soil and

Far, far from known, tell their tale

Their forgotten story

Cobras fumantes, eterna é sua vitória

 

Rise from the blood of your heroes

You, were the ones who refused to surrender

The three, rather died than to flee

Know that your memory

Will be sung for a century

 

Sent over seas to be cast into fire

Fought for a purpose with pride and desire

Blood of the brave they would give to inspire

Cobras fumantes, your memory lives!

 

Nós lembramos, sem rendição

Heróis de nosso século

 

Três homens ficaram firmes, e resistiram por muito tempo

Indo para a luta, para a morte que os espera

Loucos ou corajosos, isso acabará na sepultura?

À medida que eles doam suas vidas

Conforme sua honra dita

 

Longe, longe de casa, em uma guerra

Travada em solo estrangeiro e

Longe, no desconhecido, contem seu conto

Sua história esquecida

Cobras fumantes, eterna é sua vitória

 

Ergam-se do sangue dos seus heróis

Vocês foram os únicos que se recusaram a render-se

Os três que optaram por morrer em vez de fugir

Saibam que a sua memória

Será cantada por um século

 

Os três levaram o golpe, enquanto impressionavam seu inimigo

Jogando dados com suas vidas

Enquanto pagavam o preço

Enviados para infernizar, ouçam o toque dos sinos

Ele está chamando por você como a Wehrmacht planejou

 

Longe, longe de casa, em uma guerra

Travada em solo estrangeiro e

Longe, no desconhecido, contem seu conto

Sua história esquecida

Cobras fumantes, eterna é sua vitória

 

Ergam-se do sangue dos seus heróis

Vocês foram os únicos que se recusaram a render-se

Os três, que optaram por morrer em vez de fugir

Saibam que a sua memória

Será cantada por um século

 

Enviados de longe para ser lançados no fogo

Lutaram por um propósito com orgulho e desejo

Sangue dos bravos que inspiraria

Cobras fumantes, sua memória vive!

A música Smoking Snakes (Cobras Fumantes, em português) faz menção a uma história que envolve a participação brasileira na guerra. O Brasil declarou guerra às nações do Eixo em agosto de 1942, após os alemães terem torpedeado e afundado algumas embarcações mercantes brasileiras. Após ter declarado guerra, o governo brasileiro autorizou a fundação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), o que aconteceu em novembro de 1943.

A FEB fez o alistamento de soldados e enviou cerca de 25 mil combatentes brasileiros para a Europa, onde se juntariam ao esforço de guerra dos Aliados. Os soldados brasileiros ficaram conhecidos como “pracinhas” e foram para a guerra liderados pelo general Mascarenhas de Morais. As tropas do Brasil juntaram-se com o 5º exército americano e lutaram no Norte da Itália. O termo “cobras fumantes” faz menção ao símbolo da FEB, que possuía uma cobra fumando. Esse símbolo era uma provocação da FEB a um dito popular da época. Afirmava-se que era “mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil participar da Segunda Guerra”.

A música faz menção a uma história bastante difundida a respeito de três soldados brasileiros que faziam ronda por uma estrada em Montese quando se depararam com uma companhia alemã de 100 homens. Os três soldados brasileiros foram avistados e receberam ordens de se render. A ordem foi rechaçada pelos brasileiros, que ofereceram resistência aos alemães.

A motivação dos três soldados brasileiros era evitar que uma tropa brasileira de 30 soldados que estava na região fosse surpreendida pela companhia alemã. Os três soldados brasileiros lutaram até a morte e receberam o reconhecimento dos alemães, que os enterraram com a homenagem “três heróis brasileiros”.

Os três soldados chamavam-se Geraldo Baeta, Arlindo Lúcio e Geraldo Rodrigues, todos nascidos em Minas Gerais. O corpo dos três está enterrado no Monumento aos Pracinhas, que fica no Rio de Janeiro.

Essa história, no entanto, possui controvérsias, pois alguns afirmam que existem divergências e que os três citados podem não ter sido os soldados que de fato lutaram em Montese. Novamente entra a reflexão de como a memória de determinados eventos da história é perpetuada de maneira muitas vezes errônea.

Outros exemplos de música da banda que podem ser explorados em sala de aula são:

  • Night Witches, sobre uma força aérea soviética formada apenas por mulheres;

  • Screaming Eagles, sobre a Batalha de Bastogne.

Esse exercício em sala de aula pode ser complementado com um trabalho no qual o professor previamente seleciona determinada quantidade de músicas e orienta os alunos a fazer uma pesquisa em grupo sobre o evento específico do qual a música trata.

|1| HASTINGS, Max. Inferno: o mundo em guerra 1939-1945. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012, p. 554.


Por Daniel Neves
Graduado em História