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Proposta de aula de Sociologia sobre o Genocídio Armênio

Esta proposta de aula de Sociologia sobre o Genocídio Armênio visa à promoção de um debate em sala de aula sobre um dos maiores extermínios em massa da história da humanidade.
Memorial erguido em homenagem às quase 1,8 milhões de vítimas do genocídio armênio
Memorial erguido em homenagem às quase 1,8 milhões de vítimas do genocídio armênio
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Sabemos da enorme responsabilidade que carregamos como professores de Sociologia, haja vista que o olhar sociológico pode servir como uma ferramenta de prevenção da ocorrência de graves enganos. Tendo isso em vista, é de grande relevância promover reflexões e debates em sala de aula sobre os eventos hediondos que ocorreram ao longo da história humana.

A proposta de aula que apresentamos aqui se volta para o desenvolvimento de uma abordagem sobre o Genocídio Armênio, um projeto de extermínio sistemático desse povo perpetrado pelo Império Turco-Otomano. Realizaremos primeiramente uma contextualização histórica desse triste acontecimento e, em seguida, ofereceremos um método mais específico para trabalhar esse tema com os alunos.

Genocídio armênio

O genocídio armênio é geralmente reconhecido no meio acadêmico como a primeira ocorrência de um genocídio na era moderna. Esse evento vitimou cerca de 1,8 milhões de pessoas, e o cenário era o da Primeira Guerra Mundial. O que agora conhecemos como Turquia era o Império Otomano, e seu inimigo mais próximo era o então Império Russo, que era o país com quem os otomanos dividiam fronteiras.

A aliança que foi feita com a Alemanha na Primeira Grande Guerra colocou o Império Otomano em conflito direto com o Império Russo e acirrou ainda mais os embates religiosos e étnicos que existiam entre a população armênia, majoritariamente cristã, e o Império Otomano, majoritariamente islâmico.

O surgimento da guerra impulsionou os movimentos de independência que existiam na sociedade armênia, que buscava se separar do domínio otomano. O Império Otomano passou a enxergar na população armênia um inimigo infiltrado, que agia em favor do exército russo, causando grandes derrotas ao exército otomano. Essa foi a justificativa que o conflito religioso, que havia se agravado, utilizou-se para manifestar-se na forma do extermínio étnico de uma população inteira.

A população armênia foi privada de suas posses, expulsa de suas casas e exilada em regiões desérticas ou em campos de concentração a céu aberto, sem água, comida e sob a mira constante das armas do exército otomano, que torturava e matava indiscriminadamente.

O genocídio da população armênia serviu de inspiração para outro evento de extermínio em massa que aconteceu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Hitler, o grande líder da Alemanha nazista, confessou que os campos de concentração armênios eram exemplos a serem seguidos na execução de sua “solução final”: o extermínio do povo judeu. Hitler ainda afirmava que seu ato de barbárie era justificado porque era em nome de um “bem maior”, a construção de uma raça ariana, e que por pior que fossem suas atrocidades, um dia essas memórias seriam esquecidas.

É nesse sentido que o sociólogo Zygmunt Bauman escreveu em seu livro “Modernidade e Holocausto” que “a autocura da memória histórica que se processa na consciência da sociedade moderna é por isso mais do que uma indiferença ofensiva às vítimas do genocídio. É também um sinal de perigosa cegueira, potencialmente suicida.” (Bauman – 1998).

Essa “autocura” a que Bauman se refere não se trata apenas do esquecimento dessas atrocidades, mas sim do afastamento desses atos em relação à nossa própria capacidade de repeti-los.

Como abordar o tema em sala de aula?

A reflexão em sala de aula deve ser feita em conjunto, tentando sempre racionalizar o problema, colocando-o em paralelo com o processo de empatia pelo sofrimento humano e o respeito às diferenças. Para isso, podem ser utilizados filmes que retratem a realidade das vítimas e abordem a perspectiva moral dos perpetradores do genocídio. O filme “Ararat” (2002) problematiza a negação da história por parte das autoridades turcas em relação à existência do genocídio. Como a intenção é abordar o assunto genocídio, filmes que tratem de outros eventos históricos marcados pelo extermínio étnico e cultural em massa também servirão ao propósito. Entre eles, podemos destacar “Noite e neblina” (1955), do diretor Alain Renais, e “A vida é bela” (1997), do diretor Roberto Benigni.

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Proponha um debate em sala de aula e traga posicionamentos extremistas que evoquem a ideia de violência como resolução de problemas. Aqui é oportuno tratar dos temas mais aparentes nos meios de mídia do momento, como a brutalidade policial, o velho chavão “bandido bom é bandido morto”, violência religiosa, homofobia, racismo etc. Busque confrontar os posicionamentos mais extremistas comparando-os com as motivações dos genocídios que se passaram. Mostre que os acontecimentos que outros povos e outras nações viveram não estão tão distantes de nossa realidade.

Como atividade extra, sugiro uma redação com a temática “Carta de um sobrevivente.” O aluno deve escrever um texto em forma de carta em que deve se imaginar como uma vítima de perseguição de um conflito. O personagem do aluno deve contar a um parente distante como é seu dia a dia em meio à perseguição que sofre. O objetivo é tentar criar uma conexão do aluno com a situação em busca da empatia com a tragédia alheia. Ao se colocar no lugar da vítima e projetar sobre si o sofrimento do outro, abre-se espaço para que o aluno racionalize sobre a questão.

A obra de Bauman nos serve aqui como ponto de apoio para instigar os alunos a pensarem nas possíveis proximidades com sua realidade, ajudando a associar os atos de ódio motivados por preconceito e as possíveis barbáries que deles podem surgir. Em sua busca pela reflexão acerca das forças motivadoras desses eventos traumáticos, Bauman faz-nos refletir sobre as justificativas que geralmente usamos para tentar entender a “razão” para tamanha tragédia. O questionamento desse pensador está direcionado à forma como nos referimos aos que cometeram tamanho crime, atribuindo a origem do mal do terror nazista, por exemplo, à loucura de Hitler, à corrupção moral da Alemanha da época e à crueldade de seus seguidores. A atribuição das ações monstruosas à “doença” alemã afasta do restante do mundo moderno a responsabilidade que também teve sobre os eventos que se sucederam. O afastamento que esse tipo de comportamento gera acarreta o esquecimento e a indiferença, fundamentados na ideia de que é impossível tal tipo de acontecimento tornar-se real em nosso meio:

“Tudo aconteceu 'lá' — em outra época, em outro país. Quanto mais culpáveis forem "eles", mais seguros estaremos 'nós' e menos teremos que fazer para defender essa segurança. Uma vez que a atribuição de culpa for considerada equivalente à identificação das causas, a inocência e sanidade do modo de vida de que tanto nos orgulhamos não precisam ser colocadas em dúvida.” Bauman (1998)*

O afastamento das barbáries do outro pode nos cegar em relação à nossa própria capacidade de sermos bárbaros. Relembrar e perceber quais são as forças que nos empurram em direção à barbárie é papel fundamental da educação formadora do indivíduo socialmente responsável. Esse é o alerta feito por Bauman e nossa própria história.

*Referência: ZYGMUNT BAUMAN - Modernidade e holocausto - tradução, Marcus Penchel. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.


Por Lucas Oliveira
Graduado em Sociologia