Sabemos da enorme responsabilidade que carregamos como professores de Sociologia, haja vista que o olhar sociológico pode servir como uma ferramenta de prevenção da ocorrência de graves enganos. Tendo isso em vista, é de grande relevância promover reflexões e debates em sala de aula sobre os eventos hediondos que ocorreram ao longo da história humana.
A proposta de aula que apresentamos aqui se volta para o desenvolvimento de uma abordagem sobre o Genocídio Armênio, um projeto de extermínio sistemático desse povo perpetrado pelo Império Turco-Otomano. Realizaremos primeiramente uma contextualização histórica desse triste acontecimento e, em seguida, ofereceremos um método mais específico para trabalhar esse tema com os alunos.
Genocídio armênio
O genocídio armênio é geralmente reconhecido no meio acadêmico como a primeira ocorrência de um genocídio na era moderna. Esse evento vitimou cerca de 1,8 milhões de pessoas, e o cenário era o da Primeira Guerra Mundial. O que agora conhecemos como Turquia era o Império Otomano, e seu inimigo mais próximo era o então Império Russo, que era o país com quem os otomanos dividiam fronteiras.
A aliança que foi feita com a Alemanha na Primeira Grande Guerra colocou o Império Otomano em conflito direto com o Império Russo e acirrou ainda mais os embates religiosos e étnicos que existiam entre a população armênia, majoritariamente cristã, e o Império Otomano, majoritariamente islâmico.
O surgimento da guerra impulsionou os movimentos de independência que existiam na sociedade armênia, que buscava se separar do domínio otomano. O Império Otomano passou a enxergar na população armênia um inimigo infiltrado, que agia em favor do exército russo, causando grandes derrotas ao exército otomano. Essa foi a justificativa que o conflito religioso, que havia se agravado, utilizou-se para manifestar-se na forma do extermínio étnico de uma população inteira.
A população armênia foi privada de suas posses, expulsa de suas casas e exilada em regiões desérticas ou em campos de concentração a céu aberto, sem água, comida e sob a mira constante das armas do exército otomano, que torturava e matava indiscriminadamente.
O genocídio da população armênia serviu de inspiração para outro evento de extermínio em massa que aconteceu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Hitler, o grande líder da Alemanha nazista, confessou que os campos de concentração armênios eram exemplos a serem seguidos na execução de sua “solução final”: o extermínio do povo judeu. Hitler ainda afirmava que seu ato de barbárie era justificado porque era em nome de um “bem maior”, a construção de uma raça ariana, e que por pior que fossem suas atrocidades, um dia essas memórias seriam esquecidas.
É nesse sentido que o sociólogo Zygmunt Bauman escreveu em seu livro “Modernidade e Holocausto” que “a autocura da memória histórica que se processa na consciência da sociedade moderna é por isso mais do que uma indiferença ofensiva às vítimas do genocídio. É também um sinal de perigosa cegueira, potencialmente suicida.” (Bauman – 1998).
Essa “autocura” a que Bauman se refere não se trata apenas do esquecimento dessas atrocidades, mas sim do afastamento desses atos em relação à nossa própria capacidade de repeti-los.
Como abordar o tema em sala de aula?
A reflexão em sala de aula deve ser feita em conjunto, tentando sempre racionalizar o problema, colocando-o em paralelo com o processo de empatia pelo sofrimento humano e o respeito às diferenças. Para isso, podem ser utilizados filmes que retratem a realidade das vítimas e abordem a perspectiva moral dos perpetradores do genocídio. O filme “Ararat” (2002) problematiza a negação da história por parte das autoridades turcas em relação à existência do genocídio. Como a intenção é abordar o assunto genocídio, filmes que tratem de outros eventos históricos marcados pelo extermínio étnico e cultural em massa também servirão ao propósito. Entre eles, podemos destacar “Noite e neblina” (1955), do diretor Alain Renais, e “A vida é bela” (1997), do diretor Roberto Benigni.
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Proponha um debate em sala de aula e traga posicionamentos extremistas que evoquem a ideia de violência como resolução de problemas. Aqui é oportuno tratar dos temas mais aparentes nos meios de mídia do momento, como a brutalidade policial, o velho chavão “bandido bom é bandido morto”, violência religiosa, homofobia, racismo etc. Busque confrontar os posicionamentos mais extremistas comparando-os com as motivações dos genocídios que se passaram. Mostre que os acontecimentos que outros povos e outras nações viveram não estão tão distantes de nossa realidade.
Como atividade extra, sugiro uma redação com a temática “Carta de um sobrevivente.” O aluno deve escrever um texto em forma de carta em que deve se imaginar como uma vítima de perseguição de um conflito. O personagem do aluno deve contar a um parente distante como é seu dia a dia em meio à perseguição que sofre. O objetivo é tentar criar uma conexão do aluno com a situação em busca da empatia com a tragédia alheia. Ao se colocar no lugar da vítima e projetar sobre si o sofrimento do outro, abre-se espaço para que o aluno racionalize sobre a questão.
A obra de Bauman nos serve aqui como ponto de apoio para instigar os alunos a pensarem nas possíveis proximidades com sua realidade, ajudando a associar os atos de ódio motivados por preconceito e as possíveis barbáries que deles podem surgir. Em sua busca pela reflexão acerca das forças motivadoras desses eventos traumáticos, Bauman faz-nos refletir sobre as justificativas que geralmente usamos para tentar entender a “razão” para tamanha tragédia. O questionamento desse pensador está direcionado à forma como nos referimos aos que cometeram tamanho crime, atribuindo a origem do mal do terror nazista, por exemplo, à loucura de Hitler, à corrupção moral da Alemanha da época e à crueldade de seus seguidores. A atribuição das ações monstruosas à “doença” alemã afasta do restante do mundo moderno a responsabilidade que também teve sobre os eventos que se sucederam. O afastamento que esse tipo de comportamento gera acarreta o esquecimento e a indiferença, fundamentados na ideia de que é impossível tal tipo de acontecimento tornar-se real em nosso meio:
“Tudo aconteceu 'lá' — em outra época, em outro país. Quanto mais culpáveis forem "eles", mais seguros estaremos 'nós' e menos teremos que fazer para defender essa segurança. Uma vez que a atribuição de culpa for considerada equivalente à identificação das causas, a inocência e sanidade do modo de vida de que tanto nos orgulhamos não precisam ser colocadas em dúvida.” Bauman (1998)*
O afastamento das barbáries do outro pode nos cegar em relação à nossa própria capacidade de sermos bárbaros. Relembrar e perceber quais são as forças que nos empurram em direção à barbárie é papel fundamental da educação formadora do indivíduo socialmente responsável. Esse é o alerta feito por Bauman e nossa própria história.
*Referência: ZYGMUNT BAUMAN - Modernidade e holocausto - tradução, Marcus Penchel. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
Por Lucas Oliveira
Graduado em Sociologia